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Músculo artificial é 85 vezes mais forte do que o humano

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Um grupo internacional de pesquisadores, que inclui cinco brasileiros, desenvolveu um fio dezenas de vezes mais forte do que o músculo humano. Os resultados do trabalho com nanotubos de carbono embebidos em parafina, além de vídeos de demonstração do material, foram publicados pela revista Science.

Similar a um fio de lã, o material é formado por fibras compostas por feixes de nanotubos de carbono – estruturas cilíndricas ocas, como canudos, constituídas por átomos de carbono ocupando vértices de hexágonos, que são leves, condutoras e dezenas de vezes mais resistentes do que o aço.

O material durante contração foi capaz de desenvolver uma potência de 27,9 kW/kg, enquanto o máximo que o músculo humano consegue desenvolver é cerca de 85 vezes menos. Ao ser torcido, o fio forma uma estrutura helicoloidal (de uma hélice) e se contrai por completo a uma velocidade de apenas 25 milionésimos de segundo – o que lhe permite suportar objetos atados com peso cem mil vezes maior do que o dele.

Os pesquisadores observaram que a contração do fio também pode ser induzida por um estímulo térmico, produzido por uma corrente elétrica ou luminosa, em função de o material possuir capacidade de absorver radiação e aumentar sua própria temperatura em níveis mais altos do que os de outros.

Além disso, também constataram que a contração do material poderia ser potencializada ao revesti-lo com parafina de cera, que tem a capacidade de se expandir muito rapidamente quando exposta a uma fonte de calor.

Por meio da combinação das propriedades dos dois materiais, quando o fio é aquecido por meio da exposição a uma lâmpada incandescente ou de uma corrente elétrica, a parafina da cera que o reveste se expande, obrigando o fio se contrair. Já quando se resfria, o material retorna ao estado inicial, provocando o relaxamento do fio, como ocorre com o músculo humano.

“Por causa da expansão e contração da parafina, o fio pode realizar ciclicamente esse movimento de contração e relaxamento que pode ser aplicado para erguer objetos muito mais pesados do que ele”, disse Alexandre Fontes da Fonseca, professor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru, e um dos autores do estudo.

De acordo com os autores da pesquisa, uma das possíveis aplicações tecnológicas do fio de nanotubos de carbono revestidos com parafina de cera estaria no desenvolvimento de tecidos inteligentes, com proteção contra o fogo.

Como o fio tem a capacidade de se contrair instantaneamente só em função do aumento da temperatura, em uma explosão um tecido feito com o material teria a capacidade de fechar os poros rapidamente e impedir a exposição ao fogo.

O material também pode ser utilizado para o desenvolvimento de “músculos artificiais” para o controle de movimentos de próteses externas (exoesqueletos) e robôs, para alavancas mais eficientes para mover objetos além de em cateteres, que podem ser empregados em intervenções minimamente invasivas, como no caso da desobstrução de artérias.

Mas um dos maiores interesses no material é para aplicações militares, em dispositivos que protejam balisticamente soldados, por exemplo. Os dois principais financiadores do estudo nos Estados Unidos foram a Marinha e a Força Aérea norte-americana.

“Esse material, provavelmente, vai gerar dezenas de patentes”, disse Douglas Soares Galvão, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor da pesquisa.

Essa não foi a primeira vez que se obteve um fio de nanotubos de carbono. Em um trabalho anterior, realizado pelo próprio grupo, foi desenvolvido um fio que, em vez de ser embebido em parafina de cera, necessita de uma fonte líquida ou eletrolítica para funcionar. Porém, em função disso, as vantagens da leveza dos nanotubos de carbono eram perdidas porque se necessitava de uma fonte muito mais pesada do que o material para utilizá-lo.

“O grande avanço desse novo fio de nanotubos de carbono revestido com parafina é que ele pode operar no ar, sem fonte externa. Só a luz é suficiente para fazer com que ele se contraia”, comparou Galvão.

Galvão mantém há mais de 20 anos colaborações científicas com o grupo de cientistas do NanoTech Institute da Universidade do Texas em Dallas, nos Estados Unidos, onde foi realizada a parte experimental do estudo por um grupo que inclui os brasileiros Márcio Dias Lima e Mônica Jung de Andrade –autores principais do trabalho.

Contribuição brasileira

Uma das principais contribuições dos pesquisadores sediados no Brasil no estudo foi analisar as propriedades estruturais, mecânicas e o comportamento elástico-mecânico dos fios de nanotubos de carbono.

O trabalho de Fonseca, por exemplo, foi compreender melhor o processo de formação da estrutura helicoloidal das fibras de nanotubos de carbono quando são torcidas.

O objetivo da pesquisa foi aumentar o entendimento sobre as contrações na escala dos nanotubos de carbono individuais do fio. Mas o grupo de cientistas ainda não sabe se os nanotubos de carbono apresentam contração ou expansão térmica negativa.

No caso do grafeno, por exemplo, que consiste de um nanotubo de carbono desenrolado, alguns estudos demonstraram que, quando aquecido até menos de 700 graus, o material encolhe, em vez de se expandir, devido a vibrações dos átomos fora do plano da estrutura. “Ainda há dúvidas se os nanotubos de carbono individuais se contraem ou não e não há uma conclusão definitiva sobre isso”, disse Fonseca.

Por meio de um projeto de pesquisa que iniciou em setembro, com apoio da FAPESP, o pesquisador pretende estudar em nível microscópico o comportamento térmico de contração e expansão de nanotubos de carbono individuais por meio de simulações atomísticas para tentar compreender as propriedades mecânicas e elásticas mais gerais do fio.

Agência Fapesp