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Evento no Rio reunirá três renomados especialistas em transtornos do trauma

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Evento da Associação Brasileira do Trauma (ABT) traz ao país, pela primeira vez, o renomado neurocientista americano Stephen Porges (autor da teoria Polivagal /Autoregulação /Neurofisiologia das emoções) e a neuroendocrinologista Sue Carter - pioneira nas pesquisas sobre o papel da oxitocina e da vasopressina em doenças mentais, esquizofrenia e autismo-  e ainda o terapeuta Peter Levine, biofísico, diretor do The Somatic Experiencing Trauma Institute, criador da Somatic Experiencing (SE), terapia naturalista, inspirada na fisiologia dos animais, que está revolucionando a maneira de ajudar pacientes que sofrem dos mais diversos tipos de traumas e de sintomas de estresse pós traumático.

Os pesquisadores são os convidados-palestrantes do seminário “Neurociência do trauma: implicações clínicas e terapêuticas”, que a Associação Brasileira do Trauma (ABT), com o apoio do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), realiza de 4 a 6 de maio, das 9 às 17h30, no Colégio Brasileiro de Cirurgiões, em Botafogo, Rio de Janeiro. O evento é aberto a todos os profissionais de psicologia e saúde mental, terapeutas, estudantes e interessados em geral. As inscrições podem ser feitas através do site https://www.neurocienciadotrauma.com.br.

Peter Levine e a Somatic Experiencing (SE) -  O trauma é a causa do sofrimento humano mais negada, evitada, mal entendida, confundida e mal curada, afirma Peter Levine, autor de  “O Despertar do Tigre – Curando o Trauma” (Summus), publicado em 20 idiomas. Psicólogo e biofísico, ele soma uma experiência de 35 anos de estudos sobre estresse e trauma. Levine é o criador da Somatic Experiencing/Experiência Somática (SE), abordagem terapêutica naturalista baseada no funcionamento fisiológico dos animais.

Segundo ele, o trauma pode estar na base de muitas desordens funcionais. Pode se instalar por situações de choque ou por desenvolvimento ao longo dos anos, gerando estresse pós-traumático, uma das causas de síndromes dolorosas crônicas para centenas de pessoas.

 Vítimas de abuso infantil e de violência sexual, por exemplo, podem sofrer de dor crônica ou outros sintomas causada por traumas de choque sem saberem. No Brasil, 10,1% das crianças de baixa renda sofrem graves abusos e espancamentos físicos por parte de seus pais. Dentre estes, 35,8% apresentam Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Agressão psicológica, ameaças, medo, agressões verbais, quedas, assaltos, acidentes de carros, violência em geral, desastres naturais e cirurgias podem ser experiências geradoras de traumas.

Neurofisiologia do trauma 

Para Levine, o trauma é decorrente de qualquer experiência vivenciada por uma pessoa de forma rápida, intensa e precoce demais. Com a rapidez do choque, o sistema nervoso pode não conseguir processar a mudança fisiológica interna no organismo em sua resposta de defesa (luta ou fuga) e entrar numa terceira opção de sobrevivência que é o congelamento (imobilidade tônica, dissociação ou paralisia). Como um pássaro quando bate contra o vidro de uma janela. Impactado, ele cai imobilizado. Passado o choque, ele se recupera. Nas pessoas, em estado de dissociação, o trauma se instala.

A Experiência Somática inova na cura e na prevenção do trauma ao focar sua atuação não no evento traumático em si – já que cada pessoa reage de forma diferente diante da mesma situação traumática - mas na capacidade de resiliência/resistência fisiológica do organismo em reagir a uma situação traumática sem se desorganizar. O trauma é instalado no sistema nervoso devido à forma como uma pessoa reage diante de um fato traumático.

 - Trauma não é uma doença, mas uma ferida ou disfunção causada pelos sentimentos de susto-medo, de incapacidade-abandono e de perda que podem ser curados através da nossa capacidade inata de auto-regular estados altos de tensão-estimulação e emoções intensas, resume Levine. Durante o evento da ABT, ele lança “Uma voz sem palavras - Como o corpo libera o trauma e restaura o bem-estar” (Summus), onde  ele expande seus conceitos sobre as descobertas em biologia, neurociência e psicoterapia somática sobre trauma.

Os animais selvagens, por exemplo, raramente ficam traumatizados diante de ameaças de morte porque fazem o processo completo de luta, fuga e descarga, utilizando seus recursos primários (instintivos) de sobrevivência. Após o ataque, os  animais que sobrevivem liberam o estresse descarregando instintivamente a energia extra gasta na defesa: tremem, saltam, relaxam e jogam para fora os efeitos residuais do estresse, retornando à sua vida normal.

Razão x Instinto

Nos humanos, observa o pesquisador, quando a função de auto-regulação é impedida, os sintomas do trauma se desenvolvem porque ocorre uma desorganização funcional no Sistema Nervoso Autônomo (SNA) - formado pelos sistemas simpático (ativa e aumenta a carga de energia do SNA) e o parassimpático (reduz a ativação) e suas conexões com o sistema nervoso central e o sistema periférico. A SE enfatiza a cura do trauma através da auto-regulação do SNA.

 - Quanto maior a desregulação do SNA, maior probabilidade de uma pessoa desenvolver traumas e síndromes dolorosas devido à alteração química cerebral, mudanças hormonais causadas pelo aumento da produção de adrenalina, cortisol e opiáceos no organismo. Em situações traumáticas, se a energia excessiva no corpo não foi descarregada, ela causa distúrbios biológicos, psicológicos, emocionais, mentais e comportamentais, explica Levine.

Na prática, a técnica consiste em trabalhar os processos interrompidos, congelados, nos pacientes vitimas de trauma através das sensações corporais. Sob ameaça, nosso sistema de defesa autônomo, instintivo, é acionado, entra em ação o cérebro mais primitivo (o reptiliano), o da sensação e da sobrevivência. O trauma fica retido no SNA através das memórias sensoriais (somáticas).

 - Tudo o que vivemos está guardado no corpo como memórias sensoriais. Através das sensações, alcançamos as memórias traumáticas e podemos transformá-las. A SE vai regular a ativação do sistema nervoso, estimulando a pessoa a sustentar à atenção na sua experiência traumática de forma gradual. O objetivo é  liberar a tensão através da modulação de seus gestos, reações emocionais, postura, visual, capacidade afetiva, crenças. O paciente vai se soltando a cada sessão e assim o trauma vai sendo desmontado passo a passo, explica a psicóloga Sonia Gomes, da ABT, especializada em transtorno de estresse pós-traumático e em dor crônica.