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Grupo desenvolve pesquisa comparativa em favelas do Brasil e Índia

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Isabela Fraga/ Ciência Hoje/RJ, Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Aqui, embate entre tráfico e polícia. Lá, conflitos religiosos. Aqui, construção de muros; lá, política de remoção. Em comum, o fato de serem países emergentes com um nível bastante elevado de desigualdade social. Essas são algumas das diferenças e semelhanças encontradas entre as favelas brasileiras e as indianas por um grupo internacional de pesquisadores em um estudo iniciado em 2006.

Sob a coordenação de Marie-Caroline Saglio-Yatzimirsky, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, o grupo desenvolve pesquisa denominada Exclusão social, territórios e políticas urbanas: uma comparação entre Índia e Brasil (Setup, na sigla em inglês).

Com cerca de 20 participantes, seus pesquisadores (brasileiros, franceses e indianos) estão distribuídos entre quatro metrópoles: São Paulo, Rio de Janeiro, Mumbai e Nova Délhi. No Brasil, integram o grupo as cientistas sociais Maria de Fátima Gomes e Lenise Lima Fernandes, do Núcleo de Pesquisa e Extensão Favela e Cidadania (Faci), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Faci, desde 1987, realiza estudos nas favelas de Praia da Rosa e Sapucaia, na Ilha do Governador, alvo da intervenção do Programa Bairrinho da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Essas favelas já são nosso objeto de estudo há mais de 20 anos conta Gomes. Nossa preocupação, no momento, é analisar o impacto dos programas de urbanização do governo e comparar os resultados com aqueles obtidos em outras favelas brasileiras e indianas.

Gomes e Fernandes, que também estudam favelas como a Rocinha e o Morro da Providência, no Rio, passaram duas semanas em Mumbai e Nova Délhi, no início de 2009, para complementar a pesquisa Setup.

Pobreza e violência

A Índia é principalmente conhecida no Brasil por meio de seus filmes.

Entretanto, mais do que o cinema de Bollywood - a Hollywood indiana -, os filmes que têm chegado aqui são superproduções como Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, em que a favela de Dharavi, a maior do país, é pano de fundo para a história do personagem principal. No filme, esgoto a céu aberto, barracos de madeira e uma miséria exacerbada chamaram a atenção do público brasileiro. Por que ficamos tão chocados?

Para Gomes, embora as favelas das grandes metrópoles brasileiras tenham um elevado grau de pobreza, as indianas superam as brasileiras nesse quesito.

Apesar de a dimensão do problema habitacional ser semelhante nos dois países, na Índia ele é mais grave comenta.

Saglio-Yatzimirsky concorda. Para ela, no nível espacial, essas grandes megalópoles conheceram os mesmos fenômenos de periferização e remoção da pobreza, mas eles não se desenvolveram da mesma forma.

Enquanto, no Brasil, as políticas de urbanização e revitalização das favelas vêm se esforçando para acabar com a presença de esgoto a céu aberto e substituir os barracos de madeira, na Índia esses casos são regra em todas as favelas analisadas.

O tipo de violência a que as áreas pobres do Brasil e da Índia são submetidas também é um diferencial entre os países. Segundo Gomes, se, no Brasil, o tráfico e seus conflitos com a polícia são os principais deflagradores da violência, nas favelas indianas a religião e a divisão social por castas que, embora não exista oficialmente, está entranhada na sociedade são os motivos principais.

Os conflitos entre muçulmanos e hindus estão presentes nas favelas indianas conta ela. Vale lembrar que Nova Délhi e Mumbai receberam boa parte dos migrantes refugiados do Paquistão desde a independência da Índia.

Políticas públicas

As formas como a sociedade brasileira e a indiana reagem - ou não - à precariedade e à injustiça em meio a qual vivem difere drasticamente, segundo as observações do grupo.

Aqui, há maior resistência e organização entre os moradores contra a questão da remoção, por exemplo. Na Índia, a resistência ainda é muito incipiente explica Gomes.

Um dos pontos mais relevantes do estudo é analisar as políticas públicas de urbanização e reassentamento de populações nas comunidades carentes. A remoção é apenas uma das práticas governamentais voltadas às favelas. No Brasil, essa política foi praticamente extinta, já que as experiências fracassaram no seu objetivo.

Os moradores costumavam ser reassentados em lugares muito distantes da favela de origem, com pouca infraestrutura de transporte e mercado de trabalho limitado explica Saglio-Yatzimirsky.

O ideal, para ela, seria uma política de urbanização e revitalização bem elaborada e com a máxima participação da população local, mesmo que as rivalidades e conflitos de interesses tornem essa ideia difícil de ser concretizada.