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Polimorfos: novas portas para a medicina

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Carolina Leal, Jornal do Brasil

SÃO PAULO - Poucas pessoas imaginam o mundo de compostos microscópicos que está por trás de um simples comprimido, e o que o termo polimorfismo significaria para a eficácia do medicamento. Enquanto isso, pesquisadores destacam cada vez mais a importância do conhecimento dos polimorfos para garantir a segurança da ingestão dos fármacos e a geração de patentes para o país.

O termo polimorfos significa várias formas. Na química, os polimorfos são substâncias em estado sólido com características e aplicações diferentes, mas compostas pelos mesmos elementos químicos. Isto significa que duas substâncias podem ter, nominalmente, a mesma fórmula, mas por possuírem átomos e moléculas organizados em estruturas sólidas diferentes, passam a não ser o mesmo composto.

Um exemplo clássico é o que acontece com o cristal e o grafite, que são compostos pelo elemento químico, o carbono. No cristal, o carbono está organizado em uma forma, no grafite, em outra. Por isso, suas aplicações e propriedades físico-químicas são distintas, o que faz com que eu não use um anel de grafite e não escreva com o diamante explica a pesquisadora Luciana Jansen, da Escola de Ginecologia e Mastologia José Aristodemo Pinotti.

Segundo a Farmacopeia Europeia, 64% dos fármacos exibem polimorfismo, representando um vasto campo de possibilidades para a investigação de novos tratamentos. A partir do polimorfo de um medicamento já existente, ou seja, utilizando a mesma fórmula e modificando a estrutura, é possível desenvolver um remédio com outras aplicações na área da saúde ou, então, um genérico do fármaco original.

Com a matéria prima do Neurontin, um remédio utilizado para epilepsia, um laboratório indiano desenvolveu um medicamento que trata dores neurais exemplifica Jorge Raimundo, presidente do Conselho Consultivo da associação farmacêutica Interfarma São variadas as possibilidades a partir de uma substância que possui polimorfismo.

As diferenças na estrutura dos compostos afetam não apenas as suas propriedades físico-químicas, como também a maneira como as substâncias serão absorvidas pelo organismo. A estrutura do composto pode resultar em maior ou menor liberação de um ingrediente farmacêutico ativo na circulação sanguínea, assim como afetar a velocidade de absorção do medicamento.

Eficiência

O professor Javier Ellena, do Instituto de Física de São Carlos (USP), explica que a quantidade de substância disponível no organismo e velocidade de absorção da droga são pontos fundamentais para garantir a eficácia terapêutica de um medicamento. Ele afirma que se a substância é liberada em altas quantidades, o remédio pode se tornar tóxico para o paciente.

Se um medicamento para convulsões libera uma dosagem acima do ideal para o tratamento, o paciente pode começar a ter convulsões após ingerir esse composto. Se liberar abaixo do ideal, pode não ter efeito algum explica.

Outro ponto também deve ser considerado para garantir a qualidade e segurança do medicamento polimorfo: a capacidade do composto se manter em sua estrutura de maneira estável. Por possuir mais de uma forma sólida possível, o polimorfo pode alterar sua estrutura com o tempo ou em condições de temperatura e umidade diferentes, se transformando em outro composto. Por isso, normalmente, há um alerta nas bulas para conservar o medicamento em local seco e fresco.

É preciso que a possibilidade de polimorfismo seja considerada durante o desenvolvimento de um produto e também na comercialização alerta o físico Javier Ellena. As agências reguladoras de medicamento devem fazer uma vilância para garantir a segurança desses fármacos, que podem ter estabilidade na região em que foram desenvolvidos, mas mudar em estrutura ao serem exportados para outro lugar.

Se parece que há muito mais de microscópico do que sonha a limitada visão humana, o físico Alejandro Ayala, da Universidade Federal do Ceará, dá um exemplo nada distante de polimorfismo: o chocolate . Segundo ele, quando o produto apresenta uma aparência de velho ou mofado, com um sabor diferente do original, significa que sua forma estrutural foi alterada.

O chocolate possui pelo menos quatro polimorfos. Quando exposto durante muito tempo, ou em temperaturas inadequadas, ele perde a estabilidade, tem uma alteração em sua estrutura e muda de aspecto e sabor. A composição é a mesma, pode ser ingerido sem problemas, mas está em outro polimorfo, daí a mudança visível conclui Ayala.