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Ausência de dispersores de sementes ameaça palmeiras

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Alexandra dos Santos Pires e Mauro Galetti , Jornal do Brasil

RIO - O Brasil já se chamou Pindorama que, em tupi, significa 'terra das palmeiras'. O país tem cerca de 200 espécies dessas plantas, muitas das quais só ocorrem em nosso território.

No entanto, essa diversidade encontra-se ameaçada. Estudo realizado em fragmentos de mata atlântica mostra que a ausência de cutias, animais que são os principais dispersores das sementes das palmeiras, prejudica o surgimento de indivíduos jovens das plantas.

As palmeiras fornecem ao homem muitos produtos, como a piaçava, o sapê e alimentos como o palmito, o açaí e o azeite-de-dendê. Rico em açúcar e gordura, o fruto das palmeiras é também um recurso alimentar essencial para a fauna silvestre.

Além de nutritivas, as palmeiras frutificam durante longo período, em geral quando há escassez de outros frutos, o que faz delas um recurso-chave nas florestas.

Entre os animais que dependem dos frutos das palmeiras para sobreviver estão alguns besouros que mantêm uma relação curiosa com elas: as fêmeas põem ovos sobre os frutos e as larvas que eclodem os perfuram até atingir a semente.

Após se alimentarem da carne do coco, as larvas empupam e saem do interior do fruto como besouro adulto, recomeçando assim um novo ciclo de vida. Esses besouros consomem quase todas as sementes dos frutos que permanecem sob a planta-mãe.

No entanto, há alguns roedores, como a cutia e o esquilo, que removem os frutos para longe da planta-mãe e os guardam em suas tocas ou os enterram para consumir depois. Esse hábito permite que as sementes escapem da predação pelos besouros, e como muitos frutos não são aproveitados pelos animais, as sementes acabam germinando.

Perda de espécies

Vários fatores podem causar a extinção de uma espécie de palmeira em um fragmento, como coleta excessiva pelo homem, dificuldade de adaptação a novas condições climáticas ou perda de polinizadores ou dispersores de sementes.

Estudo realizado em nove fragmentos florestais no norte do estado do Rio de Janeiro entre eles, as reservas biológicas União e Poço das Antas, os maiores remanescentes de mata atlântica de baixada no estado constatou que as espécies de áreas sombreadas no interior da floresta e as espécies cujas sementes são dispersas por um número limitado de animais são as mais sensíveis à fragmentação.

O estudo da palmeira conhecida como iri ou brejaúva ajuda a entender porque isso acontece.

Chama a atenção nos pequenos fragmentos o grande número de frutos de iri que apodrecem sob as plantas-mãe (o que não se vê nos fragmentos maiores).

A maioria desses frutos (87%) é predada por besouros as poucas sementes que escapam desses insetos são consumidas por fungos ou pequenos roedores.

Pesquisadores já haviam interpretado o acúmulo de frutos maduros no chão da mata como uma evidência da 'síndrome da floresta vazia' sinal de que, embora aparentemente bem, a floresta não mais hospeda animais que realizam papéis ecológicos importantes.

Mas o acúmulo de frutos poderia ser resultado da menor atividade dos animais em fragmentos pequenos. Para testar essa hipótese foram comparados três fragmentos pequenos com dois grandes. Em cada um foram colocados 100 frutos de iri perfurados e amarrados a um carretel preso a uma árvore próxima.

Um mês depois verificou-se que mais frutos haviam sido dispersados nas áreas grandes (32%) do que nas pequenas (12%) e que as sementes só foram enterradas nas áreas maiores.

Frutos maduros também foram monitorados por câmeras acopladas a sensores que disparam quando um animal é detectado. Esse método mostrou que a cutia é o principal dispersor de frutos.

No entanto, pequenos remanescentes não mantêm populações viáveis do animal, já que a cutia requer cerca de cinco hectares para sobreviver; e, além disso, está na mira de caçadores e é vulnerável à predação por cães.

Assim, a ausência de cutias nos fragmentos pequenos explica o reduzido número de iris jovens, já que a planta depende de cutias que enterrem suas sementes.

Extinções em cascata

O valor das palmeiras geralmente está relacionado com a produção de frutos. Mas essas plantas têm outros papéis ecológicos importantes. Suas folhas abrigam grande diversidade de insetos, que servem de alimento para aves e mamíferos, e são usadas como refúgio por diversos animais. Importantes para a fauna, as palmeiras atuam também na estruturação das comunidades de plantas, limitando o crescimento de outras espécies sob sua copa e favorecendo a diversidade.

A redução da abundância e diversidade de palmeiras produzirá uma série de alterações na estrutura e no funcionamento das florestas, ameaçando a sobrevivência de outros organismos.

Embora algumas espécies sobrevivam em pequenos fragmentos (que têm valor para a conservação e devem ser protegidos), a efetiva preservação das palmeiras depende da manutenção de grandes áreas de floresta e de seus dispersores de sementes.