CINEMA

Documentário sobre relíquias do Benin garante o Urso de Ouro à franco-senegalesa Mati Diop

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Por RODRIGO FONSECA
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Publicado em 24/02/2024 às 16:40

Alterado em 24/02/2024 às 17:12

Mati Diop, a grande vencedora de Berlim Foto: Fabrizio Bensch/?Reuters

Em meio à comemoração brasileira pelo Prêmio de Melhor Direção da Mostra Encontras, dado à paulista Juliana Rojas, por “Cidade; Campo”, um filme feito entre o Benin e o Senegal rendeu ao continente africano o Urso de Ouro de 2024, no encerramento da Berlinale: “Dahomey”, de Mati Diop. Atriz e cineasta, consagrada com o Grande Prêmio do Júri de Cannes de 2019 por “Atlantique”, Mati faz um trabalho cartográfico para discutir o colonialismo. Seu filme, de apenas 68 minutos, acompanha o tráfego de uma série de relíquias que, ao retornarem da Europa ao governo beninês, expõem a rapinagem promovida pelo jugo colonial.

“É preciso restituir para reconstruir”, bradou Mati, clamando pelo cessar fogo no conflito entre Israel e Palestina, diante do júri presidido pela atriz Lupita Nyong’o. “Chamei artistas que encarnam a força cultural da África para fazer a trilha sonora de ‘Dahomey’ e dar a ele uma identidade que é nossa”.

Lupita guiou os rumos da premiação comandando um time formado pela diretora Ann Hui (Hong Kong/ China), o ator e realizador Brady Corbet (EUA), o cineasta Albert Serra (Espanha), a atriz e realizadora Jasmine Trinca (Itália) e a poeta Oksana Zabuzhko (Ucrânia). Essa esquadra confiou o Grande Prêmio do Júri ao sul-coreano Hiong Sangsoo, por “A Traveler’s Needs”, com Isabelle Huppert. O Festival dá ainda um Prêmio do Júri (espécie de medalha de bronze), que foi confiado ao francês Bruno Dumont, pela comédia “L’Empire”. É uma trama que tira sarro de “Star Wars”, falando de uma guerra intergaláctica.

Antes de esses dois veteranos se deleitarem com suas láureas, o cinema brasileiro viu Juliana Rojas ser aclamada. Definido na Europa como “triagem de perseveranças femininas pilotada”, seu longa, “Cidade; Campo”, eleva o prestígio de que a diretora de “Sinfonia da Necrópole” (2014) desfruta desse “Trabalhar Cansa”, rodado em dupla com Marco Dutra, em 2011. O filme que a consagrou disputava numa mostra inaugurada há quatro anos. Sua direção é amplificada uma atuação inspirada de Bruna Lynzmeyer, Mirella Façanha e Fernanda Vianna. É uma trama bifurcada: de um lado, uma mulher migra para São Paulo; do outro, um casal se muda para uma área rural. A mostra na qual ela foi laureada teve como vencedor “Direct Action”, de Guillaume Cailleau e Ben Russell, um documentário sobre ativistas na França.
“Foi uma experiência muito desafiadora feita com muita liberdade criativa”, disse Juliana, antes de agradecer uma de suas produtoras, Sara Silveira, pela coragem.

Presente em várias mostras do evento (todas paralelas à competição oficial), para além de “Cidade; Campo”, o Brasil ganhou a menção especial da seleção Generation, dada ao curta-metragem mineiro “Lapso”, de Caroline Cavalcanti. Em sua trama, adolescentes egressos da periferia de Belo Horizonte, acusados de vandalismo, cumprem medidas socioeducativas a partir das quais passam a compartilhar afetos e incerteza diante da dureza dos dias, da repressão e do esquecimento do sistema. O evento coroou ainda, com o Prêmio da Crítica, uma trama multinacional que se passa em terras brasileiras e tem Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux (de "O Som ao Redor" e “Bacurau”) como coprodutores: "Dormir De Olhos Abertos", de Nele Wohlatz, exibida na mesma competição que havia “Cidade; Campo”.

Ainda na lista de troféus dados por Lupita & Cia, a América Latina traz o Prêmio de Melhor Direção para a Colômbia, dado a Nelson Carlos De Los Santos Arias, por “Pepe”, cujo “ator” principal é um hipopótamo. “É um filme que celebra a imaginação”, disse o cineasta.

Na avaliação de astros e estrelas em concurso, Lupita deu o Urso de Melhor Coadjuvante para Emily Watson, pela assombrosa composição de uma freira em “Small Things Like These”. Já Sebastian Stan recebeu o Urso prateado de melhor Protagonista por “A Different Man”.

Estandarte da nata da Alemanha na realização, Matthias Glasner conquistou o troféu de Melhor Roteiro por “Dying” (“Sterben”), um dos títulos mais festejados de toda a Berlinale, em função de sua forma de se verticalizar na agonia de uma família em atomização, enquanto um de seus integrantes rege uma sinfonia. Ao avaliar quem deveria ganhar o Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística, Lupita e sua equipe escolheu o fotógrafo Martin Gschlacht, pelas imagens “The Devil’s Bath.

Encarado como um dos mais encantadores achados da Berlinale 2024, “My Favourite Cake”, do Irã, fez a história de amor entre dois septuagenários (uma viúva e um taxista) cativar dois júris distintos do oficial. O longa arrebatou votantes da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci), abocanhando o Prêmio da Crítica, e encantou os eleitores do Prêmio do Júri Ecumênico.

Atribuído por um júri paralelo ao de Lupita, o prêmio de Melhor Longa documental de Berlim foi dado (em unanimidade) ao retrato da erradicação gradual de multidões na Palestina: “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor. O filme acompanha ataques diários àquela nação, acirrando um combate histórico. No terreno da não ficção, houve ainda uma menção especial, dada a “Direct Action”.

Encerrada a celebração berlinense, a indústria audiovisual volta suas atenções para o Festival de Cannes, que abre suas alas no dia 15 de maio, na França.

PREMIAÇÃO DA BERLINALE 2024
URSO DE OURO: “Dahomey”, de Mati Diop
GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “A Traveler’s Needs”, de Hong Sangsoo
PRÊMIO DO JÚRI: “L’Empire”, de Bruno Dumont
MELHOR DOCUMENTÁRIO: “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor (Palestina), com menção especial para “Direct Action”, de Guillaume Cailleau, e Ben Russell
PRÊMIO ENCOUNTERS: “Direct Action”, de Guillaume Cailleau e Ben Russell
PRÊMIO ENCOUNTERS DE MELHOR DIREÇÃO: Juliana Rojas (“Cidade; Campo”)
CURTA-METRAGEM: “Un Movimiento Extraño”, de Francisco Lezama
PRÊMIO ESPECIAL DE CURTA: “Remains of a Hot Day”, de Wenqian Zhang
DIREÇÃO: Nelson Carlos De Los Santos Arias (“Pepe”)
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL: Sebastian Stan (“A Different Man”)
MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE: Emily Watson (“Small Things Like These”)
ROTEIRO: Matthias Glasner (por “Dying”)
CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: Martin Gschlacht, pela fotografia de “The Devil’s Bath”
MELHOR FILME DE ESTREIA: “Cu Li Never Cries”, de Pham Ngoc Lan
PRÊMIO DA ANISTIA INTERNACIONAL: “The Stranger’s Case”, de Brandt Andersen
PRÊMIO DA CRÍTICA: “My Favourite Cake”
TEDDY: “All Shall be Well”, de Ray Yeung
PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “My Favourite Cake”
JÚRI POPULAR: “Memorias De Un Cuerpo Que Arde”, de Antonella Sudasassi Furniss (Costa Rica) e “No Other Land”

 

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