CADERNOB

Ziraldo e sua turma genuinamente brasileira, oriunda do imaginário de nossa cultura popular

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Por TARCISIO VIDIGAL

Publicado em 07/04/2024 às 18:05

Alterado em 07/04/2024 às 18:05

Cena do documentário com o jovem Ziraldo na prancheta, na criação do Pererê Foto: Acervo JB ([email protected])

Estou profundamente abalado com a morte do Ziraldo, que era esperada, mas quando chega, nos surpreende. Vou sentir sua falta, assim como o Brasil inteiro. A minha relação de amizade com Ziraldo vem de longa data. Produzi e organizei vários projetos da sua obra, período em que enriqueci minha coleção e fortaleci minha amizade com ele e sua família.

Aos 10 anos conheci a revista Pererê e a partir daí os quadrinhos passaram a fazer parte da minha vida. Em 1973, seguindo uma tendência do cinema, propus a ele fazermos um curta. Lançado em 1975, “Ziraldo” teve direção, roteiro e produção feitos por mim. Anos depois, quando ele apresentou o Menino Maluquinho, na hora eu vi que aquele personagem daria um bom filme. Fui o produtor do longa-metragem “Menino Maluquinho, o filme”, em 1995, um reconhecido sucesso de público que encanta crianças e jovens até hoje. Dois anos depois, lançamos “Menino Maluquinho 2, a aventura”, longa que dava continuidade ao primeiro filme. Considerado um dos maiores fenômenos editoriais infantis brasileiros, o Maluquinho ganhou peça de teatro, série na TV e até ópera.

Sempre tive um carinho especial pelo Pererê, personagem bem brasileiro, criado por Ziraldo numa época em que pouco se falava em preservação ambiental, igualdade de gênero e inclusão social. Em 2010, ano em que a Revista Pererê completou 50 anos, realizamos um evento para celebrar a data e o aniversário do Ziraldo, em 24 de outubro. Com sua turma genuinamente brasileira, oriunda do imaginário de nossa cultura popular, Pererê inspirou a organização da exposição itinerante Pererê do Brasil (2015/2016), que ocupou espaços da Caixa Cultural em Salvador, Recife, Brasília e Fortaleza. Nesta mesma época, produzimos “A Turma do Pererê” em Motion Comics”, uma série de quadrinhos animados adaptados para reprodução em celular.

Parceria com Carlos Drummond de Andrade começou nas páginas do JORNAL DO BRASIL Foto: Instituto Ziraldo

Cartaz da série de desenhos feitos para promover a Feira da Providência Foto: Acervo Instituto Ziraldo

Em 2019, lançamos o longa-metragem documentário “A Turma do Pererê.Doc”, em homenagem a esse personagem que em 2020 completaria 60 anos. Talvez essas sejam as últimas entrevistas de fôlego feitas com o Ziraldo, que no filme fala de sua inspiração para criar o personagem. Aquele ano também marcou o lançamento do “Almanaque 50 anos – The Supermãe”.

O JORNAL DO BRASIL teve uma enorme importância na trajetória do Ziraldo. Um dos meus projetos em ‘gestação’ é “Zira no JB”. A partir de um artigo que ele escreveu para o centenário do jornal, montei uma linha do tempo. Nesse artigo, ele diz que foi pela primeira vez ao jornal em 1958, e que continuou frequentando a redação até 1962, quando começa a publicar “um cartunzinho aqui outro ali”. No ano seguinte, em 1963, ele ganhou espaço fixo para publicar com humor crítico sua coluna JZ (Jornal do Ziraldo). No JB ele criou grande parte dos seus personagens, como Copérnico (primo do Galileu), Supermãe, Os Zeróis e a menos conhecida Vovó Maricota, entre outros tantos. Em 1972, Ziraldo conquista espaço no Primeiro Caderno, e passa a publicar charges políticas, alternando com o Lan, até 1983. Uma das 10 teses e dissertações sobre sua fase no JB dá conta de 1.490 charges publicadas por ele no jornal.

Como conselheiro informal do recém-criado Instituto Ziraldo, a toda hora me surpreendo com o rico acervo desse artista incomum. Organizar suas obras sempre resulta em algum projeto maior. Assim organizei os projetos editoriais mais recentes sobre sua obra. Ziraldo e os Cartazes da Feira da Providência (2021) reuniu o que pode ser considerado um dos mais longos períodos de criação de um artista para o mesmo evento ao longo de 60 anos. Em 2022, foi a vez de juntarmos as “pipocas” que Carlos Drummond de Andrade publicava no JB com as charges correspondentes criadas por Ziraldo, em “O Pipoqueiro da Esquina”, título original da coluna do escritor no JB. Nessa imensidão de possibilidades, vamos organizando e preservando sua obra.

 

Tarcisio Vidigal. Amigo, conselheiro do IZ, produtor de cinema, projetos culturais, colecionador de quadrinhos e humor.