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A obesidade e o câncer

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A epidemia de obesidade se tornou um problema de saúde pública em todo o mundo, sendo atualmente motivo de milhares de pesquisas na área médica. A relação do peso aumentado com o aparecimento de diversas doenças já está bem estabelecida. Dentre essas doenças podemos citar especialmente a hipertensão arterial, o diabetes, a apneia do sono, problemas articulares e o aumento do colesterol e triglicérides, acarretando maior risco de eventos cardiovasculares, como infartos e derrames cerebrais.

Além disso, a relação da obesidade com o câncer está chamando atenção da comunidade médica apesar da suspeita dessa relação já ser antiga. Diversos estudos clínicos já alertavam para a associação entre o índice de massa corporal (IMC) elevado e o aparecimento de cânceres, conforme demonstrou publicação da prestigiada revista “Lancet”, em 2008.

Em 2014, o presidente da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, Clifford Hudis, afirmou que a epidemia de obesidade poderá neutralizar décadas de esforço de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer. Assim, a obesidade é considerada, hoje, a segunda causa passível de prevenção do câncer, depois do tabagismo. Inclusive, está presente em uma de cada dez mortes por câncer em pessoas não fumantes.

Um estudo recente publicado na “Cancer Epidemiology”, realizado pela USP, em parceria com a Universidade de Harvard, dos EUA, e da Agência internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc) da Organização Mundial da Saúde (OMS), confirmou a forte ligação da obesidade com 13 tipos de cânceres.  São eles: fígado, vesícula biliar, pâncreas, esôfago, estômago, cólon, reto, ovário, endometriose, mama, rim, próstata, tireoide e o mieloma múltiplo – câncer das células da medula óssea.

Os pesquisadores brasileiros estimam que em 2025 ocorrerão cerca de 29 mil novos casos de câncer no Brasil devido ao excesso de peso e obesidade.  A revista “Veja”, em outubro de 2016, publicou uma reportagem em que mostrava que o governo dos Estados Unidos estima que até 2030 o número de casos de câncer naquele país sofreria um acréscimo de 500mil somente devido a obesidade.

Ainda não está completamente esclarecido como a obesidade causa o câncer, porém existem três mecanismos possíveis que podem agir isoladamente ou associados: a obesidade é uma condição clínica de inflamação crônica que estimula o estresse oxidativo das células e aumenta a proliferação das mesmas, ocasionado o aparecimento de células cancerígenas; o acúmulo de gordura no organismo também acarreta importantes alterações hormonais, o que explicaria o aumento da doença em órgãos reprodutores; e, por fim, pode haver uma alteração da susceptibilidade genética ao câncer devido ao excesso de peso.

O certo é que a perda de peso pode reverter essa tendência como bem demonstrou estudo realizado na Suécia, publicado na “Obesity Surgery” em 2014, confirmando que pacientes obesos mórbidos apresentavam taxa de 5,8 cânceres por 1000 contra 1,06 por 1000 da população não obesa. Os obesos mórbidos submetidos a cirurgia bariátrica voltavam a ter as mesmas taxas dos não obesos.

Outro aspecto negativo é o fato de que pacientes obesos apresentam resultados piores com os tratamentos oncológicos não cirúrgicos, assim como também piores resultados com a cirurgia oncológica. Dessa forma torna-se urgente a adoção de políticas públicas de combate à obesidade da mesma forma como ocorreu contra o tabagismo e que apresentou bons resultados.

Assim como o cigarro, as comidas e bebidas hipercalóricas com elevados teores de açúcar, sódio ou gorduras saturadas deveriam também ser sobretaxadas com altos impostos, trazerem em suas embalagens alertas sobre o risco do seu consumo. Especialmente os produtos direcionados para nossas crianças. O consumo desses produtos deveria nos causar o mesmo impacto negativo igual ao de vermos uma criança fumando.

* Médico especialista em cirurgia e endoscopia bariátrica e gastroenterologia