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Rio e o fracasso da guerra contra as drogas

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Há 40 anos, Richard Nixon anunciava a “guerra às drogas”. Era a militarização do combate ao tráfico. Há 12 anos, um presidente mexicano, Felipe Calderon, que havia ganho as eleições com grandes suspeitas de fraude, achou que conquistaria a legitimidade que não tinha tido nas urnas, declarando também uma “guerra às drogas”. Militarizou os estados em que os grupos de traficantes mantinham grande atividade e provocou a maior onda de violência e mortes no país de que até hoje o México não saiu. 

A “guerra às drogas” expressa uma falsa radicalidade no combate ao tráfico de drogas. O uso de forças militares dá uma falsa impressão. Parece que está afirmando que não haverá contemplação com o tráfico, mas na prática representa algo distinto.

Guerra e mobilização de tropas significa ocupação de territórios e definição de inimigos que habitam esses territórios. É com esse espírito que os militares desembarcam em favelas e atuam contra a população como se ela fosse inimiga, que pratica ou acoberta o tráfico de drogas. Como numa guerra, trata-se de submeter o inimigo e ocupar seus territórios.

Supõe-se assim um dos maiores erros dessa estratégia, que discrimina a população pobre das favelas como se fosse interessada, envolvida, acobertadora ou praticamente do tráfico de drogas. Daí essas cenas brutais que presenciamos de militares apontando armas para mães com os filhos no colo, a morte de crianças consideradas “suspeitas”,  pessoas executadas por portarem objetos que os militares consideraram ser armas, entre tantas outras circunstâncias terríveis.

Mas no essencial trata-se de declarar guerra às favelas e à população que habita nelas. Daí a ocupação militar, a ostensiva ação de militarização de extensas zonas, a ação indiscriminada contra toda e qualquer pessoa que esteja, circula ou habite nas favelas. Daí a instalação do terror, que deixa a população assustada, apavorada, horrorizada. 

Há já vários anos criou-se o consenso de que a “guerra às drogas” fracassou, que promove mais violência, não termina com o tráfico, termina envolvendo as próprias tropas em casos de tráfico e de corrupção. Muitos ex-presidentes latino-americanos, entre eles o próprio Fernando Henrique Cardoso, assinaram documento em que se somam a essa visão do fracasso desse tipo de ação. 

Como via alternativa, países como Portugal e Uruguai promoveram a legalização de drogas leves, com efeitos altamente positivos, seja na diminuição drástica da violência e do tráfico, seja na garantia do direito de quem quer consumir drogas leves. Fenômenos que deveriam ser objeto de  muito maior divulgação, para colocar o debate sobre o combate à violência ligada ao tráfico de drogas em um patamar mais alto, abrindo o horizonte para que essas experiências sejam assumidas no Brasil. 

O recém-eleito presidente do México, Andres Manoel Lopez Obrador, já comprometeu seu governo com a promoção da legalização das drogas, como forma fundamental de combate à violência que devasta a vários estados do país. Ele se baseia também na experiência de vários estados dos Estados Unidos, que já colocam em prática formas legais de acesso às drogas, com resultados muitos positivos.

A intervenção militar no Rio de Janeiro, resultado de uma ação de aventura e oportunista de um governo em fim de mandato, sem nenhum apoio da população, buscando prestígio às custas da segurança da população das favelas, termina, como se sabia, em fracasso. Aumentou a violência, as mortes, as arbitrariedades, desmoralizou-se a ação das Forças Armadas, gastaram-se enormes quantidades de recursos que poderiam estar destinados a suprir necessidades básicas de uma população vítima da recessão e do desemprego. 

O caso do Rio de Janeiro se soma ao caso da intervenção militar na Favela da Maré, como mais um caso de fracasso da guerra às drogas, com sacrifícios maiores para a população mais pobre e com mais vítimas da ação do poder público, que deveria estar protegendo-a.

* Sociólogo