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A volta do sarampo e da poliomielite

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O JORNAL DO BRASIL, em editorial recente, alerta para as baixas coberturas vacinais de sarampo e poliomielite que voltam a assustar o Rio de Janeiro, depois de 30 anos de controle efetivo. Os pulmões de aço do Hospital Jesus, a quantidade de paralisias residuais no Caju e as enfermarias com crianças em estado crítico, com elevada letalidade, dominavam o quadro médico-assistencial, causando incapacidade e dor a pacientes e familiares. 

No Rio de Janeiro, Eduardo Costa, o secretário de Saúde de Brizola, na década de 80, ao tempo que alertava que o sarampo causava mais mortes anualmente, e ninguém notava, decidiu priorizar o combate às doenças transmissíveis e mudar a estratégia de controle para dar uma ”paulada” no sarampo. 

A estrutura comunitária da campanha de pólio, via oral, propugnada por Albert Sabin, se alargava para a vacinação com injetáveis, exigindo mais treinamento e insumos. Uma rede de frio para preservação das vacinas e acompanhamento epidemiológico de campo transformaria o fracasso de duas décadas em sucesso. Sabin veio ao Brasil para comprovar, e Cuba adotaria a estratégia. A partir da experiência do Rio, o Ministério da Saúde adotou o programa, e o sarampo foi controlado nacionalmente. Logo, a OPAS lançaria o programa de eliminação do sarampo.

O respeitado Programa Nacional de Imunizações (PNI) resultou da campanha de erradicação da varíola (CEV) nos anos 60/70, na qual Eduardo Costa e Cláudio Amaral trabalharam. As vacinas passaram a ser produzidas com maior rigor e qualidade, e campanhas de vacinação para se atingir alta cobertura populacional foram bem desenvolvidas. A vigilância epidemiológica, ágil e desburocratizada, consolidava a estratégia. 

Esse legado está sendo perdido. A saúde pública precisa agir, denunciando a falta de base científica do movimento antivacina. Um artigo publicado na revista científica “Lancet”, em 1998, que associava a ocorrência de autismo com a vacina tríplice viral  (sarampo, rubéola e caxumba), foi “despublicado” em editorial de 2010, por ser uma fraude. O autor foi o britânico Andrew Wakefild (teve seu registro de médico cassado por irresponsabilidade). Mais recentemente, em 2015, o jornal científico “Jama” publicou um estudo demonstrando não haver, de fato, ligação entre a vacina e o autismo. Suspeita-se que o autor do estudo fraudado tenha conflito de interesses com escritórios de advocacia para processar fabricantes da vacina. 

As gotinhas do Sabin, no entanto, sempre foram bem aceitas; não se justifica, por essa razão, que a cobertura seja baixa. As notícias falsas do movimento antivacina atrapalham mais o aceite das injetáveis, como é o caso da vacina Salk. Entretanto, a Sabin é fácil de aplicar e ótima para áreas de saneamento precário, ao disseminar no ambiente o vírus atenuado, produzindo imunidade indireta em crianças não vacinadas e a incidência de casos de doença com o vírus vacinal, rara, não costuma produzir casos secundários a esse.  

Daí o sucesso de seu uso no controle populacional da transmissão. A erradicação e controle depende de altas taxas de cobertura vacinal. Quando acima de 95% corta a cadeia de transmissão, e precisa a sua manutenção em altos níveis. Hoje, na média, a pólio está em 77% e a do sarampo, em 72% de cobertura. 

Não deve ser esquecido que as coberturas vacinais das rotinas dos serviços de saúde da Europa ocidental, nas décadas de 70/80, não eram muito altas, mas o sarampo, quando ocorria, não tinha a gravidade com que se apresenta no Brasil, porque o estado nutricional das crianças é bom, diferentemente daqui.  

No nosso meio, pulverizar as ações de controle, com vigilância burocrática, é mais do que grave, pois é letal. Não se pode preconizar o “modelo teórico” da vacinação de rotina sem estar atento a necessidades nas circunstâncias concretas, e apto com epidemiologistas de campo bem treinados. 

Ademais, controlar doenças transmissíveis, num sistema municipalizado, com a variedade e profundas diferenças em tudo entre os municípios, sem uma forte ação estadual, é mais difícil do que ensinar economia política para vírus e bactérias. 

* Médico sanitarista, PhD; foi professor associado da UFBa e diretor do DECIT/MS