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Patranhas, patotas e pantomimas

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Patranhas são histórias falsas. Contos do vigário. Mas como o vigário de Roma é mais progressista que os nossos eminentes Chicago Boys e outros neoliberais do patropi, não tive  alternativa senão tirar da naftalina a esquecida patranha. Porém, depois de breve exposição ao sol deste junho friorento, não é que patranha se mostrou perfeitamente adequada aos tempos que correm? 

A cada dia que passa, se torna mais óbvio que estamos diante de uma globalizada patranha. Desde os tempos sombrios em que Lady Thatcher e Lord Reagan bailavam sob os holofotes da City e de Wall Street, fomos  informados de que o mercado seria o maestro, o deus ex-machina  do equilíbrio econômico dos novos tempos. Tudo seria perfeito e suave nessa navegação em mares anteriormente sobressaltados por uma primeira guerra, uma segunda guerra, uma outra guerra fria, a queda de um muro em Berlim, o fim do socialismo tirânico, a ascensão do capitalismo iluminista, o esvaecimento do Estado-Nação, o fim da história. 

Lúbrica, Wall Street inventou alambicadas alquimias para tornar o crédito um jogo sem risco. A sociedade do dinheiro plastificado cresceu como uma bolha cancerígena, cogumelo nuclear a explodir no teto do mundo. Sua poeira radioativa decantou sobre continentes e ilhas. Cresceu  no coração dos crédulos um grande medo. Centenas de milhares de famílias perderam suas casas e suas economias, milhões de dólares evaporaram no ar com um cheiro pútrido. Mas bancos, e sobretudo banqueiros, receberam estratosféricas ajudas do Tesouro Americano, vale dizer, do cidadão americano. Patranhas mostraram suas evisceradas vísceras, o mercado não se autorregulou e o Estado interveio para impedir o desarranjo geral da economia mundial. Conclusão: a pretensa teoria neoliberal de que o mercado se ajusta, nada mais é do que uma ideologia. Rala, como outra qualquer. Mas como foi possível saírem tão supimpas, os escroques das finanças? 

Aí, entram as patotas. Hoje está fartamente documentada a combinação funesta da soberania financeira e lobbies do Congresso americano. Mobilizam centenas de milhões de dólares, em apoio a grandes bancos insolventes e à manutenção de megabonus  a executivos responsáveis pelo maior assalto bolado pelas locomotivas financeiras do século 21.  A patota financeira, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, se beneficia da porta giratória entre setor privado e governo. O ministro da Fazenda de hoje é o presidente do superbanco de amanhã ou vice-versa. Uma roda da fortuna amparada por patranhas e patotas. Uma ação entre amigos da Cracolândia do tio Patinhas.

Na Terra da Santa Cruz temos um certo tropismo sentimental pelos poderosos e ricos. É de bom tom macaquear os ditames do corporativismo financeiro. Faz pouco mais de dois anos, inventamos aqui, com algumas pantomimas para dar-lhe sabor local, uma tal de politica de teto de gastos, que assombrou o mundo, de Boston a Botsuana. Que se saiba, nenhum país tentou coisa parecida. Não há também, até a data em que escrevo, notícia de que seja conhecido nos planetas da Via Láctea. O sucesso da empreitada, porém, como dizem em Lisboa os que daqui fugiram, é simplesmente bestial. Temos uma inflação abaixo da meta, um desemprego acima de qualquer meta e uma raiva latente em todo e qualquer cidadão de bem. 

E num país das dimensões demográficas, das riquezas do solo, subsolo  e fundo do mar, como o Brasil, estamos a cortar fundos da educação, da saúde, dos investimentos públicos. Uma economia genocida. E a patota não para de se assanhar. Vejam os assessores econômicos dos principais candidatos a presidente. Todos passistas da porta giratória. Não seria o caso de substituirmos nossas urnas eletrônicas por bancos eletrônicos? Poderíamos até ser aplaudidos em Wall Street. A glória.

* Ex-embaixador do Brasil na Itália ([email protected])