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Desigualdade econômica no mundo desenvolvido

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A desigualdade da distribuição de renda voltou a debate a partir dos resultados que diversos pesquisadores sobre o tema apontaram nos rescaldos da grande crise financeira internacional, deflagrada nos EUA em 2007. Não foi à toa que o livro de Piketty (“O capital no século 21), que ilustrou o fenômeno, a partir de ampla base de dados, tenha sido objeto de tanta fama.

O cenário político nos EUA e na Europa foi marcado pelo tema em manifestações como o Occupy Wall Street (cujo mote era “1% versus 99%”), ocorrida em Nova York, e que depois se espalhou para outras cidades dos EUA, da Europa e países de quase todos os continentes, denunciando a enorme desproporção dos efeitos da crise sobre as classes sociais. Livro recente de Edward Wolff (“A century of wealth in America”) mostra que, enquanto em 2004 o 1% mais rico dos EUA concentrava 34,3% da riqueza do país, em 2013, esse valor já havia saltado para 36,7%. No ultraprivilegiado estrato do 0,1% mais rico, por sua vez, os dados são, respectivamente, iguais a 12,1% e 13,6%, revelando a pronunciada ampliação da desigualdade, mesmo dentro do topo da distribuição.

A literatura internacional mostra que a explicação para a piora do perfil distributivo ocorrida nas últimas décadas deve-se, principalmente, aos efeitos das rendas do capital, notadamente dos rendimentos decorrentes da posse de ativos financeiros. Esse fenômeno foi turbinado pelas políticas de austeridade fiscal, adotadas para o enfrentamento da crise internacional, e aplicadas em quase todos os países do mundo desenvolvido. 

Os dados recentes ilustram a progressiva financeirização da riqueza, confirmando o que mostravam trabalhos pioneiros do economista francês François Chesnais já nos anos 1990. A mudança na composição da riqueza representa uma alteração no perfil da acumulação de capital, em que a valorização dos ativos financeiros supera a dos ativos produtivos. Tal fenômeno decorreu da forma como foi desmontada a ordem financeira internacional, que havia sido criada no pós-Segunda Guerra e que havia permitido o crescimento econômico com melhoria da distribuição de renda, tanto na Europa como também nos EUA. Tal temática é magistralmente apresentada no recém-lançado documentário “Dedo na ferida”, do cineasta brasileiro Silvio Tendler. 

Outro elemento que promoveu a piora dos perfis distributivos foi a desarticulação das políticas tributária e fiscal que haviam sido construídas no pós-Segunda Guerra. Basta lembrar, como Piketty, que, até os anos 70, no caso dos EUA, as alíquotas de imposto de renda chegaram a atingir 90% para os casos de rendas mais altas, tendo sido reduzidas a patamares próximos de 30% já no início do governo Reagan. É consensual, hoje, entre os especialistas no tema, que os sistemas tributários dos principais países do mundo tornaram-se cada vez mais regressivos, taxando cada vez menos os mais ricos e promovendo piora contínua do perfil distributivo. 

No livro “Oligarchy”, Jeffrey Winters define o conceito de “indústria de defesa da renda” para explicar como certos profissionais (muito bem pagos) – advogados tributaristas, contabilistas e agências de gerenciamento de fortunas – procuram influenciar a elaboração de leis e a tomada de decisões do poder público para tornar o sistema tributário menos penoso aos detentores de riqueza e influenciar os orçamentos públicos de forma a não prejudicar os rendimentos dos rentistas. 

Em todos os países, a ingerência do poder econômico, cada vez mais marcado pela concentração da renda e da riqueza, sobre os financiamentos de campanhas políticas e na execução de pressões sobre as atuações dos parlamentares tem colocado em xeque a representatividade dos mesmos e a própria essência da democracia. Até mesmo instituições como o FMI (como no recente estudo intitulado “Tackling Inequality”) têm chamado a atenção para a necessidade de que sejam elaboradas políticas mais progressivas de tributação, bem como políticas fiscais mais voltadas à ampliação da oferta de bens e de serviços públicos para a população mais vulnerável.

* Prof. da Faculdade de Economia da UFF e pesquisador visitante na Universidade de Columbia (Nova Iorque – EUA)