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Reconstruindo pontes e prédios

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Um prédio em construção ou um prédio abandonado têm, em algum momento, a mesma aparência. Qual você vai escolher ver ou, por outro lado, qual delas você conseguirá ver? (Viviane Mosé, filósofa brasileira)

Ronaldo Lessa, filósofo brasileiro, disse, a respeito da prisão de Lula, que ela equivale a uma espécie de impeachment preventivo. O que estamos fazendo com nosso país? Até onde vai nossa omissão e alienação voluntária? É mais do que hora de não deixarmos nenhum tipo de ditadura vigorar entre nós, seja ostensiva ou (ainda) disfarçada, venha ela de que lado vier. 

Outro filósofo, o francês Jean Paul Sartre, disse que menos importa o que fizeram ao Homem, mais importa o que faz ou fará dele ou a ele. Por que nada fazemos, além de apoiar medidas autoritárias, impostas e impensadas, que beiram racismo e preconceito? Onde está a cordialidade que deveria viger para que o diferente não seja um inimigo a ser exterminado, mas uma contraparte a ser valorizada porque nos mostra aspectos das coisas que não estamos vendo? 

Democracia não é pasmaceira, mas a mediação necessária de conflitos de ideias, e não de pessoas, e a realização obrigatória de ações políticas construídas por contrários que se respeitam e não que se matam, moral e até fisicamente. Machado de Assis dizia que quem troca pães, volta para casa com um pão; quem troca ideias, volta para casa com duas ideias. E a ideia do outro, contrária à nossa, pode nos fazer avançar.

Onde está nossa solidariedade social e generosidade individual a guiar nossos passos em coletividade e a fazer valer a máxima de Mahatma Gandhi, que dizia que o conhecimento só serve para tornar melhor a vida do homem, mas de pouco adianta a cabeça estar cheia se o coração está vazio? Estamos enterrando mais do que cadáveres, estamos soterrando valores humanistas de compaixão, solidariedade e generosidade! 

Após tais reflexões, fiquei a pensar: há décadas, talvez séculos, temos, os brasileiros, praticado políticas de contemporização social, traduzidas pelos famosos “pactos sociais”. Resultado prático: o Brasil não decola e vivemos a andar no rés do chão, mais parecendo cachorro louco, que fica correndo atrás do próprio rabo. Não prego, aqui, uma revolução armada, não se trata disso. Entretanto, não dá mais para ficarmos tentando estabelecer relações em que o pescoço discute com a guilhotina em que momento e como ela vai descer para lhe afagar a nuca! 

Traduzindo o parágrafo acima. As forças do atraso, que não querem perder um pingo de seus privilégios, mesmo para que todos tenham um mínimo de dignidade, acabaram, com a deposição de uma presidente eleita e com o impedimento preventivo de quem o povo mais quer ver de volta, dando mostra, de modo direto, que não há pacto para elas, que só desejam obediência cega e silêncio obsequioso. Chega! Não dá mais para contemporizar e pactuar com isso. Se continuarmos a apostar, apenas, em acordos de cúpula (e aqui, tanto faz se a cúpula é da direita, do centro ou da esquerda), permanecermos patinando no mesmo lugar.

O que fazer, então, se o caminho tem que ser, como acredito, da não violência e sem ditadura de tipo algum? A resposta é simples, embora a implementação da ideia, que divido aqui, por este artigo, não seja: participação popular, real e efetiva, na política. Não para daqui a 100 anos, não para hoje, mas para ontem. O tempo de meias palavras e meias ações já passou; o obscurantismo não pode vencer a luz que emana de todos nós, pessoas de bem, de esquerda, de centro ou de direita. Um grupo de cariocas já pôs em prática, de modo vitorioso, uma proposta chamada “Plano de Gestão Cidadã” (livro “Democracia: do conceito à prática, da representação à participação”, Editora Claridade, São Paulo, 2010). Leia, participe, venha conosco. 

A frase da filósofa brasileira, que abre este artigo, nos mostra uma opção que temos insistido em desprezar: a de escolher como vamos ver a construção das pontes sociais com as quais iremos atravessar o rio de corredeiras que nos ameaça neste momento e os prédios sólidos em que moraremos, depois de atravessarmos a corredeira. A vida insiste, persiste e não desiste, apesar dos esforços em contrário de muitos.

* Geógrafo e pós-doutor em Geografia Humana