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Inclusão laboral: há vagas ou há cotas?

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São indiscutíveis os avanços em prol da empregabilidade da pessoa com deficiência nos últimos anos. Mas as estatísticas que usamos para validar as mudanças, o desenvolvimento e o investimento na inclusão laboral podem ser, ao mesmo tempo, indicadores de preconceito e desconhecimento. 

Para ilustrar, vamos analisar alguns dados de 2016, divulgados neste ano pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais), e também o levantamento do Censo de 2010. As pessoas com deficiência, segundo a Rais, estão empregadas prioritariamente nas seguintes funções, considerando a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO): auxiliar de escritório (em geral), assistente administrativo, alimentador de linha de produção, faxineiro, repositor de mercadorias, embalador (à mão), almoxarife, vendedor de comércio varejista, cobrador de transportes coletivos (exceto trem), serviços de limpeza e conservação de áreas públicas, operador de caixa, recepcionista (em geral), alimentador de linha de produção, porteiro de edifícios, atendente comercial (agência postal) e armazenista. 

A partir dessa listagem faremos algumas reflexões que são fundamentais para compreendermos o atual cenário da inclusão social pelo trabalho. De acordo com a Rais, 418.521 pessoas com deficiência estão empregadas. Grifa-se que 189.797 dessas têm ensino médio e 68.002 têm nível superior. Além da restrição dos tipos de funções para as quais as pessoas são contratadas, o perfil acadêmico do público em pauta parece que não está sendo considerado. 

Nesse âmbito, vale a pergunta: Há vagas ou há cotas? No Brasil, conforme o censo de 2010, existem 45.606.048 de pessoas com deficiência e, infelizmente, 61,10% (ou seja, perfil majoritário do público em pauta) não têm instrução ou têm o fundamental incompleto. Em paralelo, a Rais indica que, com esse grau de escolaridade, apenas 111.730 pessoas estão empregadas. Ressalta o fato de que a maioria das carreiras que têm pessoas com deficiência contratadas, segundo a listagem acima, não exige formação acadêmica como pré-requisito, considerando a legislação que as rege.

Ainda que os números não sejam satisfatórios, a partir das estatísticas é possível desconstruir o argumento (comumente utilizado) de que não há profissionais com nível superior para ocupar vagas que exijam tal nivelação acadêmica. Além da informação de que alguns desses estão empregados, o Censo de 2010 indicou que 3.055.605 de pessoas com deficiência têm nível superior completo. A maior parte dessas está na Região Sudeste; e a menor porcentagem, na Região Nordeste do país. É fato que precisamos melhorar muito os nossos indicadores referentes à escolaridade. Mas ainda assim, baseado nos dados aqui apresentados, isso não justifica a pouca diversidade de funções para as quais são contratadas as pessoas com deficiência. É fundamental aprimorar a relação entre a função e o perfil (global, não apenas o acadêmico) do trabalhador que será contratado. Quando as habilidades e competências dos candidatos não são consideradas, volta a pergunta: há vagas ou há cotas? Nesse contexto, vale lembrar do famoso anúncio: “Temos vaga para PcD”. E as perguntas são: Para fazer o quê? Onde? Como? O mínimo que se espera de um anúncio para a contratação de um profissional é a informação de qual função exercerá. Tem uma frase, de autoria desconhecida, que se enquadra perfeitamente: “Não há vagas para deficientes, pois deficiência não é profissão”.

Isso significa que é preciso selecionar o profissional e ofertar o suporte necessário para que ele desempenhe seu trabalho com qualidade, o que é um princípio básico da inclusão laboral. Inclusão é o direito que a pessoa com deficiência tem de estar em um local com acessibilidade, no qual ela se sinta pertencente a um grupo, capaz de crescer e desenvolver. Inclusão é um ato de responsabilidade que geralmente apenas empresas com criatividade, potencial para inovar e desejo de gerar impacto social conseguem desenvolver com maestria. Incluir pode ser o desafio que muitas corporações precisam para aprender a agregar valor na diversidade.

* Especialista em inclusão laboral e consultora da Fundação Mudes e da Ehabilidade