ASSINE
search button

Política do 'austericídio'

Compartilhar

Em um momento em que todo evento, econômico e político, é interpretado por diagnósticos opostos, há um estranho consenso em torno da crise dos caminhoneiros. O movimento foi uma expressão polÍtica da frustração das expectativas que muitos investidores produtivos tinham sobre o crescimento da economia até 2015, quando entramos na mais profunda das crises brasileiras. A razão macroeconômica dessa frustração merece ser discutida, sob o risco de seguirmos nessa grave situação de estagnação, desesperança e desespero.  

Em janeiro de 2014, a expectativa de mercado para crescimento acumulado nos anos de 2014 a 2017 era superior a 8%. Num país de dimensões continentais como o Brasil, cuja malha de transportes se constituiu com o predomínio do modal rodoviário, estava justificada a visão de que haveria crescimento da demanda por fretes por muitos anos. Essa conjuntura se repetiu nos diversos modais de transporte. As empresas aéreas, por exemplo, ampliaram o número de linhas e destinos e adquiriram mais aeronaves, enquanto os setores público e privado investiram em aeroportos e no controle do tráfego aéreo. No setor ferroviário se deu o mesmo. Houve grandes investimentos que resultaram no aumento do número de locomotivas e vagões, na construção de novas ferrovias e na manutenção e aumento da capacidade das existentes. Em vez do cenário moderado de crescimento de 2014 a 2017, o que se verificou foi uma queda do PIB da ordem de 6% – o que, para os empresários que investiram antes de 2015, representou uma retração da demanda efetiva frente às expectativas superior a 14%. 

É importante notar que essas expectativas não ignoravam que a economia perdia o dinamismo. Mas ninguém poderia imaginar o que ocorreria em 2015, quando, sem sequer se assegurar da factibilidade política de aprovar um ajuste fiscal, impôs-se um brutal contingenciamento dos gastos públicos, especialmente de investimentos, e uma elevação abrupta das tarifas pública. Frente ao resultante choque inflacionário, o Banco Central assumiu a tarefa de segurar no “cabresto” a escalada dos preços jogando os juros para o espaço. A economia entrou em queda livre. Para piorar, endividados e enfrentando uma situação de queda dos lucros, além de um custo do capital no espaço, muitos empresários deixaram de pagar tributos, preferindo enfrentar as multas ou esperando pelo próximo perdão da dívida. Como em outras experiências parecidas mundo afora, o ajuste fiscal passou a se tornar um exercício infrutífero de cavar buraco em areia movediça. Com Temer, dobrou-se a aposta com a aprovação do Teto de Gastos e tornando o ajuste em “austeridade permanente” – um verdadeiro “austericídio”, que somente ampliou a frustração dos investidores produtivos privados. 

A crise dos caminhoneiros é, portanto, mais um reflexo de uma equivocada política de “austericídio”, somente agravada pela mudança insensível de precificação do diesel implementada pela Petrobras. Se esse diagnóstico for correto, enquanto não encontrarmos solução para além da austeridade permanente, o investimento seguirá estagnado, o crescimento será medíocre e o desemprego permanecerá elevadíssimo. Ironicamente, a continuidade desse quadro só complica o ajuste fiscal no médio prazo, nos condenando a um perigoso crescimento acelerado da dívida pública – mesmo com juros significativamente mais baixos. 

Em vez do “austericídio” em que nos metemos, precisamos de um programa emergencial de produção e emprego – talvez calcado na expansão da infraestrutura econômica e social do Brasil, um dos principais gargalos da nossa produtividade e competitividade. Não vai ser fácil, porque, um momento de muitas restrições exige um governo que apresente um programa de expansão do investimento público de médio prazo e que – com apostas inovadoras de melhoria do ambiente de negócios e utilização de instrumentos de política existentes (como o BNDES) – atraia o investimento privado, nacional e internacional. Mas é a única forma de restabelecermos as expectativas dos empresários, nacionais e internacionais, e as esperanças de uma população cansada do pântano de estagnação e desemprego em que nos colocamos nos últimos anos. 

* Economistas