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Acessibilidade e inclusão

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A sociedade e as cidades em países como o nosso são escritas e desenhadas do ponto de vista do homem branco e sem deficiências. Todos aqueles que não fazem parte desse grupo não vivem em humanidade. Naturalizar a permanência discriminatória em relação ao outro que não é seu igual representa uma agressão à dignidade humana. 

A história dos povos, em suas diversas épocas, mostra que os deficientes físicos, incluindo os idosos, principalmente os mais pobres, não eram acolhidos. Ao contrário, considerados como estorvos, eram abandonados à sua própria sorte. Um primitivo sentimento de negação do outro fez com que esses seres humanos passassem a viver isolados, apartados do convívio social, quando muito em asilos ou instituições religiosas. 

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes pela Assembleia Geral da ONU, de dezembro de 1975, estabeleceu novo marco no tratamento dessa questão. Evoluiu-se do simples assistencialismo para uma nova categoria – a inclusão. No Brasil, a Carta Constitucional de 1988, artigo 227, e a Emenda Constitucional nº 65, de 2010, representaram um avanço nas garantias e direitos do deficiente. A partir da Carta Magna, várias leis complementares procuraram detalhar e resolver omissões da lei maior. O problema, pois, não é a ausência de legislação pertinente, mas a sua efetiva aplicação, como de resto em todas as questões relativas aos direitos humanos. 

As estatísticas mostram que 23% da população brasileira – cerca de 48 milhões de pessoas – possuem algum tipo de deficiência, sem contar os idosos que compõem uma população crescente. É importante, ainda, salientar que 65% desses 48 milhões de pessoas exercem atividades produtivas. Portanto, cerca de 30 milhões de brasileiros precisam se locomover e interagir com a sociedade. 

Os números acima revelam que os problemas dos deficientes e idosos não se resumem a problemas pessoais e familiares, mas trata-se de uma situação coletiva que está a exigir de todos a real compreensão do que se chama inclusão, isto é, a garantia de ir e vir, a ausência de barreiras urbanas, calçadas e rampas bem projetadas, transportes urbanos com acessos apropriados, habitações com larguras de portas e corredores adequadas à perfeita locomoção do usuário. 

Na verdade, esses conceitos devem valer para qualquer pessoa, independentemente de suas limitações físicas. O desenho universal inclusivo deve garantir acessibilidade para todos. Os projetos arquitetônicos, até os anos 60, se baseavam na escala humana ideal desenhada por Leonardo da Vinci – o homem de Vitruvius (século I a.C.) e depois pelo sistema Modulor, de Le Corbusier (1948). As crianças, os idosos e os deficientes não se enquadravam nesses modelos projetuais. 

A mudança de paradigma ocorre ao se passar a respeitar a diversidade humana, suas transformações ao longo da vida, suas especificidades físicas e étnicas. É natural que as pessoas façam uso do ambiente individual e coletivo de forma diversa do padrão estabelecido. Assim, quanto mais projetos atenderem às necessidades funcionais de um número maior de pessoas, tanto mais inclusivos e comprometidos serão com os direitos universais da dignidade humana. 

Nessa semana, a Comissão de Acessibilidade do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo-RJ) promoveu um encontro com estudiosos e diversos segmentos profissionais para discutir o tema. Ações efetivas de fiscalização em conjunto com o Ministério Público para o cumprimento das leis em vigor, adequação da legislação edilícia e urbanística, convênios com as prefeituras para treinamento de seus técnicos foram algumas das propostas apresentadas. 

O resultado das discussões convergiu para a importância de se construir uma consciência coletiva em que a inclusão e a acessibilidade caminhem juntas, indissociáveis, ambas representando um direito fundamental de todos aqueles que usufruem do espaço urbano de nossas cidades. 

* Arquiteto e urbanista