ASSINE
search button

Rodoviarismo em questão

Compartilhar

Segundo o dito popular, a experiência pode custar muito caro, mas não tanto quanto deixar de adquiri-la. A greve dos caminhoneiros custou muitos bilhões de reais. Que pelo menos nos sirva para aprender algumas lições. Curioso ouvir algumas afirmações de que o nosso país optou, há 60 anos, pelo rodoviarismo, quando o que ocorreu foi uma imposição ao modelo desenvolvimentista então proposto, que procurava atrair investimentos de multinacionais para implantação do nosso parque industrial.

É exatamente, então, que o país começa a deixar de ser rural para ser urbano, assim como passa de uma economia fundamentalmente agrária para industrial. O preço que tivemos de pagar, para trazer as megacorporações automobilísticas e garantir o retorno de seus investimentos, foi construir rodovias e, como consequência imediata, sucatear o modal ferroviário.

O incentivo à aquisição e utilização de veículos automotores se deu em relação ao transporte de cargas e ao de passageiros nas cidades brasileiras, privilegiando até mesmo o uso do automóvel individual.

É oportuno estabelecer uma comparação entre os modais rodoviário e ferroviário de transporte de cargas no Brasil e nos Estados Unidos, um dos líderes mundiais da indústria automobilística e partícipe desse modelo de desenvolvimento do nosso país. 

No Brasil, 64% das cargas são transportadas por rodovias e 21% por ferrovias. Nos Estados Unidos, 42,8% por ferrovias e 26,6% por rodovias. O que ocorre no Brasil é explicado pelos defensores do rodoviarismo com alguns argumentos: o custo de construção de uma rodovia é cerca de 1/3 de uma ferrovia; o tempo de duração do transporte é desproporcional, pois a velocidade média de um trem de carga é 22km/h e de um caminhão é de 60km/h. 

Se forem analisados os investimentos a longo prazo, considerando os volumes de cargas possíveis de serem transportados por ferrovia, comparando-as com as carretas, sem dúvida a diferença de custo entre os dois tipos muito se reduziria. Por outro lado, hoje existem locomotivas de moderna tecnologia que podem triplicar a velocidade média acima mencionada.

A questão central é que esses sistemas de cargas devem ser complementares. O que não é aceitável é a dependência de caminhões nos principais troncos de escoamento de longa distância. Não se justifica essa imensa distorção na política de transporte que levou o país, nos últimos 10 anos, a investir R$ 88,8 bilhões em rodovias contra R$ 15,8 bilhões em ferrovias.

O fato é que o governo federal vinha, desde 2014, postergando o atendimento das reivindicações do setor, agravadas agora pela política de preços da Petrobras, atrelada ao custo internacional do petróleo, com oscilações diárias refletindo nas bombas dos postos.

É verdade, também, que as autoridades demoraram a despertar para a dimensão e a repercussão do movimento grevista e a compreender que os movimentos sociais não mais estão centrados em instituições sindicais. Hoje, as lideranças são difusas e a dinâmica da mobilização ocorre pelas redes sociais. Ficou aparente, nesses recentes episódios, que a condução do movimento teve seu start dado pelas grandes empresas de transporte de cargas, caracterizando, assim, o locaute, prática vedada por lei. Basta observar os números da Associação Brasileira de Caminhoneiros – 2,2 milhões de motoristas registrados, sendo 58% assalariados de transportadoras, 27% autônomos e 15% de outros tipos.

A despeito do calor e da emoção das lutas reivindicatórias, que exacerbam muitas vezes manifestações individuais, também pôde-se observar radicalizações que pediam a deposição do presidente, a intervenção militar, o adiamento das eleições de outubro, justo a 4 meses das eleições em que o povo elegerá seu futuro governante, que terá necessariamente de enfrentar o debate de adequadas propostas de recuperação da infraestrutura do país.  

Hoje, a prioridade é discutir um projeto de nação que inclua reformas estruturais para a retomada do desenvolvimento econômico e social dentro do Estado Democrático de Direito.

* Arquiteto e urbanista