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Cidades compactas: um passo à frente

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Existem algumas afirmações que, de tanto serem repetidas, acabam se transformando em lendas urbanas. Uma delas é a de que o desenvolvimento das cidades se deve aos investimentos da iniciativa privada através do mercado imobiliário. Ledo engano. Tem sido o Estado, com todas as suas falhas, o verdadeiro responsável pela valorização do solo urbano mediante a implantação dos serviços de infraestrutura, como água e esgoto, e linhas de transporte, essenciais à instalação de empresas e assentamentos habitacionais. 

É com a chegada desses serviços que terras ociosas, estocadas no regime de engorda urbana, se valorizam e são colocadas no mercado. A especulação imobiliária se alimenta, assim, da diferença entre o preço histórico da compra da propriedade, até então subutilizada, e o seu novo valor advindo de investimentos feitos pelo poder público. Quando se fala em poder público, que é subsidiado pelos impostos pagos por todos, está se dizendo que a população, com o seu trabalho, é quem financia esse lucro adicional do capital. Estabelece-se, assim, a mais-valia do solo urbano, paga pelo contribuinte ao especulador da terra socialmente improdutiva. Nesses últimos 60 anos, as cidades brasileiras cresceram de forma extensiva. No Rio de Janeiro, a expansão da cidade na vertente oeste - Barra da Tijuca, Recreio, Baixada de Jacarepaguá - é exemplo eloquente desse modelo de desenvolvimento urbano baseado principalmente nos interesses da iniciativa privada. Esse modelo de cidade, além de estar a serviço dos interesses dos donos do capital e da terra, oneram os cofres públicos pela execução de obras de infraestrutura, empurram os pobres mais ainda para as periferias e, pior, desconectam as populações de suas referências culturais e simbólicas. 

A contraposição a esse espraiamento urbano consiste em estimular cidades mais compactas. O conceito de compactação, que pressupõe um maior adensamento, não necessariamente obriga a uma verticalização descontrolada, mas implica o uso de vazios no tecido urbano dos bairros; o estímulo ao comércio local; o múltiplo uso dos imóveis existentes, flexibilizando-os como residenciais e comerciais; o provimento de equipamentos básicos como escola, posto de saúde, creches, espaços culturais e de lazer. O sentido da cidade compacta é dar vida a áreas já consolidadas com infraestrutura, mas subutilizadas ou degradadas, para que as pessoas possam morar, trabalhar no seu próprio bairro ou sem grandes deslocamentos para suas principais atividades diárias. De certa forma, no desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro, essa compactação se deu em alguns bairros como em quase toda a Zona Sul, Tijuca e cercanias. 

Trata-se, agora, de voltar o olhar para o Centro da Cidade e a Zona Norte - bairros da Central e da Leopoldina. Portanto, o que se deve cobrar do poder municipal é que os investimentos públicos, frutos da contribuição coletiva dos cidadãos, estejam voltados para a produção de espaços urbanos de qualidade, privilegiando as populações de baixa renda. Afinal, são elas que mais precisam ser amparadas pelo Estado protetor, que, na maioria das vezes, faz vista grossa para rentistas transações fundiárias e imobiliárias. A cidade já construída configura um alto investimento feito por toda a sociedade. Permitir que parte dela se degrade e perca sua função social, sem uma ação reguladora dos poderes constituídos, caracteriza improbidade do Estado em não preservar e defender o patrimônio público.

* Arquiteto e urbanista