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Matemática e modelos matemáticos

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Ano de 1957: o bip-bip do primeiro satélite artificial parecia ironizar a inesperada distância imposta aos demais concorrentes, na maratona espacial, pela tecnologia e ciência desenvolvidas na URSS. A guerra fria – como se chamava a “paz” que se seguiu à Segunda Guerra – completava 12 anos. E transcorreram outros 12 anos até que o alerta despertado nos EUA pelo Sputnik virasse o jogo: 1969 levou três norte-americanos à Lua, pioneiros na missão Apollo 11. E os trouxe de volta.

Não foram apenas avaliações e estratégias acadêmicas, detonadas pela chamada crise do Sputnik, que entronizaram a liderança norte-americana na área espacial, com todos os frutos que o know-how aí exigido dissemina. O governo federal, acuado, não voltou a encenar a costumeira caça às bruxas, mas sim uma real corrida ao conhecimento. Injetou uma portentosa quantidade de verbas nas instituições de ensino das ciências, pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Insuficientemente destacados são alguns figurantes nesse roteiro – os modelos matemáticos. Em alguns deles, baseia-se a tecnologia para construção, manutenção, direção e controle dos equipamentos empregados nas missões espaciais. 

Um modelo matemático para um determinado fenômeno pode ser entendido como uma tabela que descreve uma correspondência entre certos conceitos associados a esse fenômeno e alguns seres de um dado contexto matemático. O objetivo é, a partir da leitura de propriedades desses seres matemáticos teóricos, prever propriedades do fenômeno real.

Nossa civilização depende deles sem se dar conta de sua presença em atos simples, como a aferição da temperatura ou pressão arterial no nosso corpo; ou em outros mais complexos, como as previsões meteorológicas; o desempenho das plataformas submarinas em perfurações do pré-sal; a absorção de medicamentos nos seres vivos, com base no escoamento do sangue e demais fluidos; estudos de coortes migratórias em determinadas regiões ou países; ou nas técnicas de tomografia computadorizada, por cujo desenvolvimento dois pesquisadores receberam o Prêmio Nobel, nos anos 70. 

A característica mais ignorada desses modelos repousa no próprio nome, que lhes descreve a essência: são modelos de algum fenômeno, não o fenômeno que se quer descrever. Visam apenas aproximar o real, simular. Mas em quantos textos se encontra a afirmação de que determinadas expressões matemáticas governam essa ou aquela situação real.

Por serem uma aproximação, os modelos apresentam um grau maior ou menor de contabilidade. Tais modelos matemáticos envolvem o conceito da reta dos números reais, portadora do infinitamente distante e do infinitamente próximo. Assim, eles não podem prescindir do conceito de infinito. E esse é um conceito que apenas existe na nossa imaginação. Ao usar modelos matemáticos para conclusões no mundo real, é preciso lembrar das limitações do mundo real. Os computadores, os sistemas computacionais, os instrumentos de medição, todos eles estão bem distantes do conforto da estrutura teórica em que se baseiam nossos modelos. E foi justamente esse distanciamento que já causou históricos desastres, como a queda do Ariane V, foguete francês; e dos mísseis americanos Patriot, na Invasão do Golfo.

No decorrer dos milênios, a matemática recebeu diferentes títulos, designações. Carrega, também, a posição de álibi. Avaliações cujos autores podem argumentar se basearem em expressões matemáticas ascendem a um insuspeito patamar de importância. Diz-se, frequentemente, que elas não podem ser contestadas, por serem baseadas na matemática. Novamente, esquece-se a distância entre a matemática (nossa criação) e os modelos matemáticos (adaptados à realidade). A expressão calculada e exibida é uma construção, com escolhas, muitas delas, tendenciosas. A correspondência entre atores reais e conceitos matemáticos usados na sua descrição não pode ser um argumento final. A matemática não pode servir de álibi de falsas interpretações ou falhas em decisões.

* Titular aposentado da Uerj; professor colaborador nos Programas de Pós-graduação em Ciências Computacionais e em Engenharia Mecânica