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De Maio de 68 a Marielle Franco

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Dois meses sem Marielle. A vereadora foi executada a tiros no dia 14 de março. Quatro disparos diretamente na cabeça. De acordo com a reconstituição do crime, a arma do assassinato foi uma submetralhadora 9mm MP5, modelo semelhante ao utilizado pelos grupos especiais das polícias Militar, Civil e Federal. Ainda de acordo com a reconstituição, que durou cinco horas, a vereadora e o motorista Anderson Gomes foram mortos com apenas uma rajada de balas da arma, capaz de disparar oitocentos tiros por minuto. Não, não é qualquer submetralhadora que dispara oitocentos tiros por minuto. É muito poder de destruição.

A munição utilizada pelos assassinos também tem as suas peculiaridades: faz parte de um lote adquirido pela Polícia Federal em 2006 e foi encontrada em locais de outros crimes na Região Metropolitana do Rio, sempre em confrontos entre traficantes e policiais. O laudo da reconstituição deve ser concluído em trinta dias. Até lá, ficamos com as evidências. Todas elas envolvem a corporação que deveria ter protegido Marielle Franco. Como se os sinais da reconstituição já não bastassem, um dos suspeitos é um ex-policial militar que deve ir para um presídio de segurança máxima, condenado por chefiar uma milícia. 

Modelo de arma utilizada pela polícia. Munição comprada pela Polícia Federal. Uma vereadora morta. A mesma vereadora que lutava contra as milícias e o assassinato de jovens na periferia do Rio. Trama absurda da vida real que já deveria ter sido extinta há, pelo menos, 50 anos, já que estamos em maio – mês em que estudantes europeus se uniram a trabalhadores e promoveram manifestações e paralisações de fábricas no movimento mundial que ficou conhecido como Maio de 68. A união entre jovens e operários resultou na maior greve geral da Europa, que teve o saldo de nove milhões de trabalhadores de braços cruzados. São famosas as fotos das barricadas feitas pelos estudantes para evitar que os policiais os alcançassem. Para contextualizar ainda mais, em maio de 68 a guerra do Vietnã estava no auge, e o governo americano enfrentava a oposição da sociedade às mortes de jovens enviados para as batalhas sangrentas.

Maio de 68 também foi dolorido no Brasil. Numa fase brutal da ditadura militar, rapazes e moças pegaram em armas e acabaram levados à clandestinidade. Muitos foram torturados e mortos nos porões escuros do Dops. Até hoje, corpos estão desaparecidos sem a mínima perspectiva de justiça ou de, ao menos, uma satisfação para suas famílias. 

Há 50 anos, o mundo pegava fogo em maio de 68. Jovens americanos morriam numa guerra que não era deles. Jovens brasileiros morriam numa ditadura que não era deles. Há dois meses, a jovem Marielle Franco era atingida na cabeça por quatro tiros que não se sabe de quem eram. Mas que, segundo a reconstituição do crime, saíram de uma submetralhadora de uso policial. Uma das lutas da vereadora executada tinha o objetivo de que adolescentes da periferia deixassem de ser mortos por policiais que os deveriam proteger. 

O que une Marielle Franco a todos os outros jovens que morreram em maio de 68, no Brasil e no mundo, é a coragem de enfrentar as injustiças e colocar as instituições no lugar certo para atender a sociedade. Os corpos desaparecidos em maio de 68 jamais serão encontrados. Mas quem matou Marielle Franco, em 14 de março, está na mira da sociedade, dos policiais sérios, dos políticos, das autoridades. O cerco começa a se fechar. E a história anda – sim – para frente. O assassino de Marielle não ficará impune como os assassinos dos jovens de maio de 68 no Brasil. Também por isso, a luta dela não foi em vão. E a hashtag segue cada vez mais forte: #MariellePresente.

* Jornalista