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O problema da inteligência arti?cial e da mente

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Um robô ganhou cidadania na Arábia Saudita em 2017. Apesar de estar longe de ter consciência, simula traços humanos. Há muitos anos, Moravec, chefe do Laboratório de Robótica da Universidade Carnegie Mellon, conjecturou que o gênero humano poderá vir a perder sua posição dominante, substituído pela vida pós-biológica. A despeito do sabor fantástico dessa conjectura, ela baseia– se em um cenário tecnológico que extrapola a tendência atual de crescente presença dos computadores, desempenhando funções antes restritas aos seres humanos. Os computadores são criações da nossa mente, mas se puderem se reproduzir e se desenvolver autonomamente, poderão ganhar vantagem sobre nós na luta pela sobrevivência, livres dos limites biológicos na seleção natural. Seriam, então, os robôs, nossos descendentes! Embora isso não seja verdade, à luz do estado atual da arte, poderá vir a ser uma possibilidade do ponto de vista científico? Hoje a capacidade dos computadores supera a humana em tarefas muito específicas, como cálculos, manipulação de dados extenuantes e decisões complexas computáveis. 

Nessa linha de pensamento especulativo, ao criarmos os computadores podemos ter decretado a substituição, no longo prazo, de nossa forma de vida por outra – à base de silício e outros materiais. Mudanças do meio ambiente podem dificultar a vida biológica atual e a sobrevivência do homem, pela poluição, destacando-se o efeito estufa aquecendo o planeta, e pelo esgotamento de recursos naturais ou por uma guerra nuclear.  

Essa especulação extravagante é exatamente oposta à conjectura do físico Roger Penrose, negando a possibilidade de vida mental própria nos computadores. Penrose considera que há no cérebro algo a mais além da computação para dar conta da emergência do novo e da criatividade humana. Penrose reduz o problema da mente à microfísica e, portanto, à mecânica quântica – o que é polêmico. 

O problema da inteligência artificial nos conduz ao problema da mente, que envolve aspectos filosóficos polêmicos, como o dualismo cartesiano e o reducionismo. O filósofo da ciência Karl Popper defendeu o dualismo – a separação entre o universo físico e o universo subjetivo de cada pessoa, o “eu”, dotado de livre escolha. Assim colocou em questão a redução da mente ao funcionamento do cérebro. Criticou o materialismo, opondo ao atomismo de Leucipo e Demócrito, a física moderna. Para Popper o campo eletromagnético de Faraday e Maxwell estaria mais próximo do plenum contínuo de Parmênides do que do atomismo materialista grego. A física transcende o materialismo em senso estrito para explicar a realidade da matéria, cuja estrutura microscópica é descrita pelas funções de onda da mecânica quântica. 

Nessa linha, Popper se colocou contra o reducionismo, de explicar a mente pelo cérebro. Para ele, a emergência do ser humano levou à criação de um mundo objetivo e real, constituído dos produtos da mente humana. Tanto quanto a matéria, também os mitos, a religião, a literatura, a arte, as teorias científicas e a tecnologia constituem o universo. Popper chama a tudo isso de Mundo 3, sendo o Mundo 1 o físico, que é o usualmente considerado: os seres vivos, a matéria inanimada, os planetas, estrelas e galáxias. Entre esses dois mundos interpõe o Mundo 2, da mente humana, da consciência e da sensibilidade animal. Explicar cientificamente a mente e a consciência pelo funcionamento do cérebro é a redução do Mundo 2 ao 1. Diz ele que “o aparecimento da linguagem humana criou uma pressão seletiva” que alterou a estrutura do córtex cerebral e daí se originou a consciência. Nessa concepção, o Mundo 3 influi no 1. Concordo com Popper e Penrose. A mente humana não se reduz à computação. 

* Professor emérito da UFRJ, doutor em Física e mestre em Engenharia Nuclear