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A Muralha da China: parte ?nal

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O Brasil “estuda” adotar restrição voluntária de exportações não só em aço e alumínio, mas também em outros itens de nossa pauta. Com as minhas supremas e devidas vênias, trata-se de erro crasso. Aceitaremos uma manobra pré-OMC, que nos coloca numa posição subserviente diante da tramoia. Pior: passamos a ser coniventes com ela. Cúmplices. Trump levantou em torno de nós o muro do medo. Não tivemos coluna vertebral para dizer que o certo seria trabalharmos juntos para promover mudanças radicais no sistema desequilibrado do comércio internacional. Aceitamos ser penalizados sem olhar para o grave precedente a desestabilizar ainda mais o setor industrial da economia. Nossas mais altas autoridades não deixaram dúvidas a seus interlocutores que “temos que resolver logo esse problema”. Pascal Lammy, ex-OMC, com ironia disse que era “uma forma de negociar”.

 A galope, os americanos solicitaram  consultas na OMC para reabrir a questão da propriedade industrial, ponto focal desta celeuma. Não argumentamos que também estamos fartos de monopólios e oligopólios. Não demos um pio. Trump mandou reexaminar a possível adesão dos EUA ao Tratado da Parceria Transpacífica, cordão sanitário em torno da China. Só falta a gente aderir. 

Os EUA, se forem para a OMC, sabem que o Brasil já aceitou o cambalacho. E o Brasil não é um paiseco qualquer. É uma das dez maiores economias do mundo. Pena que não parece saber o que quer. Ou será que há outro contubérnio em gestação? Desde o período Reagan-Thatcher vem-se tecendo uma teia em torno do trinômio neoliberal globalização-privatização-liberalização financeira, que, pouco a pouco, corroeu as defesas sociais dos anos 40 a 70 do século passado. Trinta anos depois, as desigualdades econômicas se aprofundam e parecem chegar ao ponto de não retorno.

Quando Trump resolve caracterizar a OMC como uma organização contrária aos interesses de seu país, quando resolve renegociar o Nafta, ele anuncia que a globalização inflamou o nervo social dos países desenvolvidos. O desemprego é uma peste a dizimar povos e nações nos diversos quadrantes do mundo. Guerras localizadas, drones e mísseis, assaltos cotidianos, extorsão organizada de grandes bancos sobre a casa, a saúde e o pão de chefes de família transformam a vida na antecâmara do sepulcro. É o horror a parir o terror. 

E o duo Reagan-Thatcher nos dizia que não havia alternativas. Criou-se o consenso de Washington. E o dissenso do mundo. Destas trevas também surge a OMC, tugúrio de ideias velhas vestidas com a naftalina das valas comuns do colonialismo, com horror à simples menção da palavra desenvolvimento. Vejamos se minto ou alucino. Na agricultura, mascara a preservação dos indecentes subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. Não abre espaço para que os africanos exportem o algodão, soterrado pelos subsídios americanos.  Emergentes, dentre os quais o Brasil, não ampliam suas exportações para a Europa ou para os EUA. Há barreiras fitossanitárias, quotas e outras salvaguardas, legítimas umas, abusivas outras, como a famosa segurança alimentar dos europeus. A OMC não defende um comércio livre. A OMC preserva e aprofunda monopólios, agasalha medidas anticompetitivas. A OMC não é santa nem misericordiosa. Reverenciada por seus áulicos e patetas, interessados ou interesseiros, a organização serve melhor aos deuses da ganância do que aos estetas do universalismo. 

E agora, dóceis como convém, vamos participar do tiroteio trumpiqueiro de levantar maiores barreiras à transferência de tecnologia. Faremos da ignorância domínio público. E a burrice transitará em julgado. E a corrupção será o bem-me-quer da aurora da nova vida. Nessa hora em que deveríamos nos associar aos Brics, aos africanos, aos asiáticos, a latinos, a gregos e troianos e atravessar o Rubicão, vamos ronronar nos atapetados salões da OCDE, iludidos de que somos o que não seremos, e repousar tranquilos em berço esplêndido.

* Ex-embaixador do Brasil na Itália (e-mail: [email protected])