ASSINE
search button

Lições das guerras do passado

Compartilhar

A intervenção federal na segurança do Rio desperta discussões e desconfianças próprias de uma sociedade que amadurece com as liberdades e a democracia. De um lado, os “pragmáticos” clamam por regras operacionais claras e segurança jurídica em suas ações, enquanto os “especialistas” espantam-se. O poeta Ferreira Gullar já advertia: “uma parte de mim pesa, pondera; outra parte delira. Uma parte almoça e janta; outra parte se espanta”. 

A arte da guerra recomenda conhecer a natureza do combate, planejar, agir e neutralizar o inimigo. O mais importante e decisivo ato do estadista e do general é, em primeiro lugar, compreender a natureza da guerra em que vai se empenhar e jamais combater a guerra do passado. Daí o espanto da sociedade aflita à espera dos resultados das ações das forças de intervenção. 

Mas as guerras do passado deixam lições, e a mais recente para as Forças Armadas brasileiras é a Minustah, missão de manutenção da paz no Haiti. Um amplo estudo sobre o país caribenho, conduzido pelo mestrando Gabriel Merheb Petrus, no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, em 2012, lembra que em países colapsados não é raro o conflito dos interesses do Estado falido com os de atores externos que participam do processo de reconstrução. 

No caso do Haiti, havia compromissos de liberalização política e de promoção de reformas nos sistemas econômicos e financeiros. O processo de reconstrução de uma nação é complexo e deve ser acompanhado pela criação de instituições políticas e econômicas capazes de transformar a sociedade e promover a recuperação do monopólio do uso legítimo da força pelo Estado. Uma ação que não apenas prevê, mas exige o aperfeiçoamento da governança na promoção de serviços públicos mais eficientes.

Outros autores lembram que, mesmo em períodos menos críticos, o Haiti foi um país cujas “veias abertas” e a má gestão de sua cleptocracia levaram os recursos naturais ao esgotamento e a uma persistente vulnerabilidade. Já antes do terremoto de 2010, 70% dos haitianos encontravam-se desempregados e cerca de 80% da população viviam abaixo da linha da extrema pobreza. Às elites do país caribenho, formadas basicamente por famílias tradicionais, apoiadores do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide e antigos chefes militares, somava-se o poder marginal e informal dos traficantes. Um sistema sempre disposto a se vender e que não cultivava qualquer projeto de nação.

As lições do Haiti permanecem vivas e úteis para o Rio, cujos dirigentes reconheceram sua incapacidade em controlar a onda de insegurança. Já há algum tempo o estado está falido e a política relegada a grupos sem nenhuma relevância para a história da cidade como centro econômico e cultural do país.

Da vizinha Colômbia vem outra lição das guerras do passado. O conflito local começou em 1964 e se desenvolveu como uma guerra assimétrica entre governo, grupos paramilitares, traficantes e guerrilheiros de esquerda. Em 2000, a ajuda americana para o programa antidrogas, de mais de 1 bilhão de dólares, aumentou a capacidade de ação do exército, que passou a pressionar fortemente a guerrilha. A presença ostensiva das forças armadas nas ruas era encarada pela população como necessária para o restabelecimento da ordem e reconquista de territórios dominados pela guerrilha, paramilitares e tráfico de drogas. Em novembro de 2016, firmou-se um acordo de paz entre o governo e as Farc, que previa o desarmamento, rompimento de ligações com o tráfico e anistia aos guerrilheiros. O fim negociado do conflito levou exatos 50 anos.

No Rio há agora um temor e um espanto no ar. O sentimento de impunidade leva os grupos armados a agir sem limites. No jargão militar espantar-se não é ação tática, mas o espanto induz à ação e resulta na mobilização de toda a sociedade contra a ousadia dos criminosos. O chanceler prussiano Otto von Bismarck afirmava que os tolos dizem que aprendem com os seus próprios erros, mas que ele preferia aprender com os erros dos outros. As lições da guerra no Haiti e na Colômbia aí estão e os brasileiros devem ficar atentos a esses exemplos à esperança de que seus erros aqui não se repitam.

* General do Exército e presidente da Associação dos Diplomados da ESG