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O núcleo do antipetismo

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A coalizão responsável pelo turbulento período pelo qual passa o Brasil desde as eleições de 2014 é ampla, mas tem um núcleo que sustenta o ataque ao petismo. O triângulo formado pelo Judiciário, a grande mídia e o mercado; atores que manobram os demais membros, notadamente a classe média. 

Um dos fenômenos mais instigantes do antipetismo é que existem vários atores que foram beneficiados pelos governos do PT. Funcionários públicos contratados em concursos durante seus governos ou que tiveram rendimentos reajustados após congelamentos do período FHC; advogados que lucraram com a priorização de investimentos em infraestrutura e de campeões nacionais do BNDES; pais de alunos que foram estudar no exterior com o Ciência Sem Fronteiras; empresários de tecnologia da informação, pequenos empreiteiros e inúmeros outros beneficiados por incentivos fiscais setoriais; milhões de novos proprietários de imóveis adquiridos com a queda dos juros. Ou seja, não foram apenas aqueles ameaçados pela ascensão dos excluídos do mercado formal que vociferaram contra o PT. 

Se, por um lado, no antipetismo existe uma elite que pode pagar colégio particular, plano de saúde, previdência privada e segurança; por outro, a classe média é sufocada por tais obrigações e não mantém o mesmo padrão de vida. Ainda assim, aliou-se às teses do Estado Mínimo, ignorando que quanto mais fraco o poder estatal, mais desembolsará pelos serviços privados que usa. Passou a demonizar o petismo e, por consequência, o Estado. 

Como explicar tal fato?  Aqui vai uma tentativa: o Poder Judiciário, ao politizar suas decisões, concedeu legitimidade ao antipetismo. Notadamente, o processo que resultou na condenação de Lula choca qualquer observador mais atento. A tramitação excepcional; os conceitos de propriedade imobiliária que não se sustentam na legislação e na jurisprudência; a ausência de provas sobre o benefício que teria sido concedido por Lula à OAS. Tudo mostra um regime jurídico de exceção. 

No que se refere à grande mídia, sua capacidade investigativa é fundamental para evitar abusos do poder estatal. Mas para isso é necessário haver interesse em apurar e fazer os fatos serem objetos de conhecimento do grande público. Não foi o que ocorreu. Alicerçados em interesses econômicos e ideológicos, os grandes grupos inflaram o antipetismo ao ponto de legitimarem a retirada de uma presidente democraticamente eleita. 

A classe média se sente empossada de conhecimento. Qualquer alerta contrário às informações da grande mídia é vista com desdém. A discricionariedade na publicação e na omissão da informação impactaram diretamente no movimento antipetista. Em nenhum momento foi noticiado que as investigações em andamento aconteciam também por causa das alterações institucionais feitas pelo próprio PT, tais como: (i) independência do Ministério Público, com inédito respeito à indicação do líder da lista tríplice para comandar o órgão; (ii) o expressivo aumento no número de operações contra corrupção da Polícia Federal; (iii) imparcialidade nas indicações para ministros do STF. 

Além de deixar de noticiar os ganhos no combate à corrupção, a mídia passou a ampliar o papel do PT nos grandes escândalos, cujos principais beneficiados foram, sim, políticos  do PMDB e do PP. Ao direcionar para Lula as acusações, a imprensa levantou uma bandeira sem ideologia que conquistou a classe média. Tática velha conhecida: apregoar que o país passava por grau de corrupção inédito, cuja culpa era quase exclusiva do partido no poder. Como nas acusações contra Getúlio Vargas, João Goulart e Juscelino Kubitschek.  

E o mercado soube se servir da grande mídia. Ao realizar projeções econômicas de acordo com seus interesses, independentemente da economia real, assegurou ter ao seu lado o poupador e o investidor comum. Basta acompanhar o índice Bovespa: se os acontecimentos são contrários ao PT, o índice sobe. Já quando Temer se segura no poder, mesmo diante de sérias acusações, o mesmo movimento positivo acontece. 

Qual seria a razão para o mercado ter se posicionado tão claramente contra a política petista? Com o PT no governo houve uma busca pela soberania, contra um alinhamento cego às principais potências que privilegiam seus grupos econômicos. Lula havia conseguido assumir uma postura crítica em relação à globalização sem nenhuma grande ruptura com a ordem vigente. As reais desavenças com o mercado surgiram quando Dilma passou a condenar publicamente o spread bancário. Os acontecimentos políticos foram corroborados pelas expectativas direcionadas do mercado, sempre amplamente noticiadas pela grande mídia, até convencer a classe média que afastar o PT do poder, por qualquer meio, seria melhor. 

O problema é que o mercado atacará sempre a democracia quando for de seu interesse. Se o Judiciário e a imprensa não forem vigilantes, a democracia estará sempre em risco. O antipetismo, como se apresenta, é um ataque à democracia. Cabe à grande mídia aprender que seu papel é defender o cidadão não só dos abusos do Estado, mas do mercado. É nas mãos do Judiciário, mais especificamente na análise sobre a prisão e elegibilidade de Lula, que está a esperança do restauro à normalidade.

* Advogado, mestre em Direito Tributário pela Georgetown University