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O feminismo e o assédio sexual

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É bonito ver como, dia após dia, uma onda de coragem faz as mulheres deixarem de lado o receio e a vergonha para denunciar casos nunca antes revelados de assédio sexual. O movimento, cheio de força e inspiração, nada mais é do que uma tradução literal do feminismo e do empoderamento, termos que vêm tomando a mídia, as redes sociais, a vida das mulheres e dos homens. O que começou em Hollywood, com atrizes escancarando para o mundo abusos de diretores e produtores, aos poucos foi se espalhando por outras áreas e hoje está na medicina, na Justiça e até – pasmem! – na yoga. Todas as denúncias sob o guarda-chuva de um mesmo movimento: #metoo. A tradução do termo – “eu também” – não deixa dúvidas sobre seu significado: denúncias de mulheres que também foram vítimas de assédio sexual. 

A adesão mais recente veio da medicina. Em um artigo publicado numa revista americana, a médica Julie A. Freischlag aborda o assunto, fazendo a triste ressalva de que casos de assédio sexual nem sempre são denunciados por medo de represália. Numa pesquisa com médicos recém-formados, ainda nos Estados Unidos, 33% afirmaram terem sido alvos de comentários sexistas ou racistas ou, pior, que se sentiram prejudicados em avaliações ou trabalhos por causa de seu sexo ou cor. Aqui no Brasil, em 2014, alunas da Faculdade de Medicina da USP revelaram casos de abusos sofridos dentro da maior instituição de ensino superior do país. A denúncias foram apuradas pelo Ministério Público e chegaram à Justiça. No Rio de Janeiro, estudantes de medicina criaram coletivos que conscientizam e ficam alertas aos relatos das colegas. Alunas da Universidade Estácio de Sá mantêm uma página no Facebook em que compartilham campanhas contra o assédio sexual e deixam claro que o período de isolamento e enfraquecimento das mulheres ficou para trás. 

Aliás, a filósofa e cientista política americana Iris Marion Young citou o desempoderamento como uma das faces da opressão em todo o mundo. Um grupo que não se empodera tem dificuldades de expressar a sua opinião, de tomar decisões e de desenvolver pensamento crítico. Aí está o motivo do destaque dado à palavra empoderamento, que virou uma marca do feminismo contemporâneo. A melhor notícia é que o processo de empoderamento vem interrompendo o histórico secular de abusos. Além de Hollywood e da medicina, o #metoo atravessou fronteiras na Coreia do Sul, onde a denúncia de uma promotora pública, de que fora assediada por uma autoridade do Ministério da Justiça, causou barulho o bastante para que o caso ficasse conhecido mundialmente. Ao glamour do cinema, às instituições de ensino superior e à Justiça, somou-se até o equilíbrio da yoga. Foi só uma professora abrir suas redes sociais para denúncias, que relatos de abusos durante a prática do exercício milenar explodiram com a hashtag #metoo. Na contramão de todo esse movimento, cem atrizes francesas escreveram um artigo com críticas ao que classificaram de “puritanismo” nas delações contidas na onda #metoo. No texto, elas afirmaram não se sentirem representadas por um “feminismo que coloca as mulheres na posição de crianças frágeis que não sabem se defender”. Entre apoios e ressalvas, a onda #metoo atravessa redes virtuais e transforma o mundo real. O principal ponto de arremate da discussão é que a vítima está deixando de ser culpada. E os culpados estão tendo seus rostos, nomes e atos revelados pelos holofotes de uma luta que vai além da bandeira do feminismo ou das feministas, que tanto assustam as “pessoas de bem”. Assediadores têm sobre si uma luz de vigilância acesa por toda uma sociedade que se cala cada vez menos diante de atos repugnantes.

* Jornalista