ASSINE
search button

Sônia Araripe - Brasil, mostra a sua cara

Compartilhar

Sou do tempo das cartas em papel, do telegrama, da conversa ao pé de ouvido ou no telefone fixo. Acredito que boa parte dos leitores também. Tempos de ouvir, de compartilhar e de importantes pausas para reflexão. O computador chegou, celulares, modernidades, mídias sociais, conexões instantâneas, engenhocas e traquitandas.

 Ótimo! Vivas! Mas, vamos avaliar hoje, com parcimônia, este cenário tão imediato e conectado. Nunca estivemos tão conectados e... tão distantes. Quem prometeu encontrar o melhor amigo, mas na verdade, só ficou mesmo no abraço virtual? Quem fala mais tempo nas mídias do que ao vivo? 

As tecnologias vieram para ficar – felizmente – e é inegável que as mídias sociais estão impondo novos padrões e comportamentos. Quem ainda não leu, recomendo a trilogia “A era da informação” do sociólogo espanhol Manuel Castells, sobre sociedade em rede e como está influenciando o processo do que ele chama de “revitalização da democracia”, como as manifestações conhecidas como “Primavera árabe” ou o movimento “Ocuppy Wall Street”. Dito isso, chegamos ao ponto central desta conversa de hoje – que democracia estamos formatando e impulsionando pelas redes sociais. 

Como Castells alertou, há hoje cerca de sete bilhões de números de telefones celulares no mundo e 50% da população adulta do planeta tem um smartphone. O percentual será de 75% em 2020. Consequentemente, a rede é uma realidade generalizada para a vida cotidiana, as empresas, o trabalho, a cultura, a política e os meios de comunicação. “Entramos plenamente numa sociedade digital (não o futuro, mas o presente) e teremos que reexaminar tudo o que sabíamos sobre a sociedade industrial, porque estamos em outro contexto”, destacou o sociólogo. 

Definitivamente não são bons exemplos as agressões virtuais vistas nos últimos meses, e, especialmente, nesta semana, como se fosse um verdadeiro clássico de Fla-Flu. Coxinhas X Mortadelas se digladiaram pelos posts virtuais, como se fosse possível imaginar alguma vitória de um lado ou de outro. Como assim? Comemorações exacerbadas pela decretação da prisão do ex-presidente Lula, como se fosse um gol de Copa do Mundo e também reações passionais na trincheira oposta, de apoiadores do líder sindical que fez história ao chegar ao Planalto. Não se trata de duelo virtual, de faxina nas mídias....de clima de vingança ou ódio. 

Muito menos com tiros a ônibus de campanha do PT, ataques a jornalistas no exercício da função ou outras agressões que se construirá um cenário de estabilidade, Justiça e respeito ao estado de direito. Sempre bom lembrar. O país é um só, partido, sofrido, é verdade, mas somos todos brasileiros e estamos – ou deveriam estar – do mesmo lado lutando pelo desenvolvimento social e econômico justo e ético para os meus filhos, os seus e os filhos desta pátria. Pensar diferente só ajuda a jogar lenha na fogueira das vaidades virtuais e reais. Brasil, mostra a sua cara. 

                                                                       ... 

No mínimo preguiçosa a cobertura da maior parte da grande mídia – especialmente dos telejornais – do Julgamento do Supremo Tribunal Federal do pedido de habeas-corpus de Lula e seus desdobramentos. Que os laudos e nobres juízes do STF falem em “juridiquês” e se escondam atrás de termos poucos claros, já era esperado. Destacamos alguns trechos dos votos dados: “atividade hermenêutica dos juízes e tribunais” (Ministra Rosa Weber) ; “as prisões automáticas empoderam um estamento que já está por demais empoderado” (Ministro Gilmar Mendes) e “O grande equívoco, com a devida venia, mais uma vez, é a interpretação literal que se faz desse dispositivo. (...) Esse brocardo é destituído de qualquer valor científico” (Ministro Luiz Fux). Mas não dá para aceitar que a maioria da grande mídia tenha embarcado na leitura e repetição – data venia – dos votos e se “intoxicado” com a “sopa de letrinhas” de HC para habea corpus, ADCs (no caso das ações declaratórias de constitucionalidade) e por aí vai. Felizmente aqui o Jornal do Brasil – e alguns outros - fez edições pertinentes, relevantes e didáticas. Acho que 200 milhões de brasileiros esperam até agora uma cobertura em bom e claro português. Ou não queremos que todos entendam o que está sendo dito e decidido? 

                                                                       ... 

Duas datas relevantes esta semana: os 50 anos da morte do líder Martin Luther King e o que seria o aniversário de 60 anos do poeta Cazuza. Os dois nunca se encontraram e seus destinos não se cruzaram. Mas, em uma viagem frenética/ imaginária, imagino o sonho de Luther King se encontrando com a poesia repleta de ironia de Cazuza. Precisamos urgentemente de mais sonhos, de mais igualdade e mais poesia.

(*) Sônia Araripe é Editora de Plurale (www. plurale.com.br) , revista e site com foco em sustentabilidade. Email: [email protected]