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O que está em jogo na crise brasileira

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A derrota de Lula no STF, a propósito da rejeição do habeas corpus e sua eventual prisão, revela a volta das forças do atraso que perpetraram o golpe parlamentar, jurídico e midiático contra Dilma Rousseff, em 2016. A grande questão não se restringe à difamação do líder, condenado sem provas cogentes e o sagramento do PT. Dois projetos estão se confrontando e irão definir o nosso futuro: a recolonização ou a refundação. 

O projeto da recolonização força o Brasil a ser mero exportador de commodities. Isso implica desnacionalizar nosso parque industrial, nosso petróleo, as grandes instituições estatais. Trata-se de dar o maior espaço possível ao mercado competitivo e nada cooperativo e reservar ao Estado apenas funções essenciais mínimas.

Esse projeto conta com aliados internos e externos. Os internos são aqueles 71.440 multimilionários que o Ipea elencou e que controlam grande parte das riquezas do país. O aliado externo são as grandes corporações multinacionais, interessadas em nosso mercado interno e, principalmente, o Pentágono, que zela pelos interesses globais dos EUA.

O grande analista das políticas imperiais, recém-falecido, Moniz Bandeira; Noam Chomsky e Snowden nos revelaram a estratégia de dominação global. Ela se rege por três ideias-força: a primeira, um mundo e um império; a segunda, a dominação de todo o espaço (full spectrum dominance), cobrindo o planeta com centenas de bases militares, muitas com ogivas nucleares; a terceira, desestabilização dos governos progressistas que estão construindo um caminho de soberania e que devem ser alinhados à lógica imperial. A desestabilização não se fará por via militar, mas por via parlamentar. Trata-se de destruir as liderenças carismáticas, como a de Lula, difamar o mundo do político e desmantelar políticas sociais para os pobres. Um concluio foi arquitetado entre parlamentares venais, estratos do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e por aqueles que sempre apoiaram os golpes, particularmente a grande mídia. 

Afastada a presidenta Dilma Rousseff, todos os itens político-sociais, na verdade, pioraram sensivelmente. 

O outro projeto é o da refundação de nosso país. Ele vem de longa data, mas ganhou força sob os governos do PT e aliados, para o qual a centralidade era dada aos milhões de filhos e filhas da pobreza. Não apenas melhorou a vida deles, mas resgatou a sua dignidade humana, sempre aviltada. Esse é um dado civilizatório de magnitude histórica. Esse projeto da refundação do Brasil, projetado sobre outras bases, com uma democracia construída a partir de baixo, participativa, sócio-ecológica, constitui a utopia alviçareira de muitos brasileiros. 

Três pilastras a sustentarão: a nossa natureza de singular riqueza e fundamental para o equilíbrio ecológico do planeta; a nossa cultura, criativa, diversa e apreciada no mundo inteiro e, por fim, o povo brasileiro inventivo, hospitaleiro e místico.    

Essas energias poderosas construirão nos trópicos uma nação soberana e ecumênica que integrará os milhões de deserdados e que contribuirá para a nova fase planetária do mundo, com mais humanidade, leveza, alegria e festa, a exemplo dos carnavais. Mas importa derrotar as elites do atraso. Não anunciamos otimismo, mas esperança no sentido de Santo Agostinho, bispo de Hipona, hoje a Tunísia. Bem disse: a esperança inclui a indignação para rejeitar o que é ruim e a coragem para transformar o ruim numa realidade boa. 

Uma sociedade só pode se sustentar sobre uma igualdade razoável, a justiça social e a superação da violência estrutural. Esse é o sonho bom da maioria dos brasileiros.

* Teólogo, autor de “Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência?”