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Está extinta a escravidão?

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Essa interrogação esteve no enredo da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, que embora modesta, conquistou o vice-campeonato na série especial do Carnaval carioca deste ano. Em fevereiro, a agremiação realizou um desfile impactante retratando os 130 anos da assinatura da Lei Áurea. A indagação questiona se, de fato, a escravatura foi abolida em nosso país. Entre outros temas bastante comentados, como o presidente-vampiro e os patos manipulados, o desfile trouxe desde os africanos trazidos à força para o Brasil, servis à elite que aqui se estabelecia; até seus descendentes “escravizados” contemporaneamente por meio de suas carteiras de trabalho dilapidadas e seus biscates e de baixa qualidade. 

A última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE trouxe resultados que corroboram a visão do autor do enredo. Dentre os temas apresentados, cabe destacar as informações econômicas e sociais referentes à desigualdade racial brasileira, disponíveis para o período de 2012 a 2016, que foram publicadas no fim do ano passado. 

Os homens e mulheres pretos ou pardos, termo técnico que o IBGE denomina às pessoas de etnia negra, correspondem a 54% da força de trabalho do país. Entretanto, a proporção é maior quando se olha quem está procurando emprego e não encontra, sendo os pretos ou pardos 63% desses. Em outras palavras, a taxa de desemprego dos pretos ou pardos (13,2%) é superior à dos brancos (9,1%) e maior do que a já elevada média nacional para o ano de 2016, de 11,3%. 

Quando se coloca o foco entre os que estão empregados, as disparidades e a desvantagem dos negros é ainda mais evidente. Enquanto brancos registram 35% de ocupados com baixa instrução, pretos e pardos são 52% de ocupados sem o segundo grau completo. Ademais, enquanto 51% dos brancos possuem empregos formais em empresas privadas ou instituições públicas, para os negros tal proporção atinge somente 44% de sua população. 

A publicação revela também que os negros se iniciaram mais cedo na vida laboral, o que certamente é uma desvantagem, pois conciliar trabalho com estudos nem sempre é possível ou desejado. Muitas vezes a inserção precoce no mercado de trabalho é uma necessidade que prejudica a formação do indivíduo e o seu posterior desempenho produtivo.

Nos rendimentos, as desigualdades continuam. Brancos recebem cerca de 80% a mais de remuneração do que os negros. Ainda que se comparem negros e brancos do mesmo nível de instrução, os brancos seguem superando os negros, em todos os níveis, diz a Síntese do IBGE. 

Contribui para reforçar essas desigualdades em nossa sociedade a ínfima representação parlamentar e executiva deste grupo. Assim como as mulheres, os pretos ou pardos possuem baixíssima representatividade na Câmara e no Senado Federal. A composição ministerial do atual governo federal, por sua vez, revela com bastante nitidez a predominância do homem de cor branca. Das instâncias superiores de nosso Judiciário, infelizmente, ainda pode-se dizer o mesmo. Dessa forma é evidente a necessidade de se reforçar e se valorizar as políticas afirmativas que busquem maior equilíbrio representativo na sociedade brasileira. 

Um primeiro passo foi dado por meio da política de cotas universitárias, que ampliou o ingresso de pretos, pardos e estudantes oriundos de escolas públicas às faculdades e universidades mais concorridas. Entretanto, essa política afirmativa está passando por um enfraquecimento no atual momento, com o corte de bolsas e apoio aos alunos mais carentes que precisam bancar sua vida universitária. A lei de cotas raciais para o concurso público, em vigor no âmbito federal desde junho de 2014, sem dúvida também cumpre essa função. Por fim, um passo crucial é trazer visibilidade a esta herança tão desigual e injusta.

* Doutor em Economia pela UFRJ e prof. da PUC-RJ ** Mestre em Sociologia pela Uerj e prof. da UFRJ