Negros, índios, brancos, mestiços sem instrução. Pobres, muito pobres. Filhos do Brasil profundo e urbano.
Alguns, como a guerreira Marielle, conseguem vencer o preconceito e, o mais importante, rejeitar a dominação de suas mentes.
Para a maioria, contudo, ainda é introjetado o sentimento de inferioridade estimulado por uma sociedade herdeira de paradigmas discriminatórios de raça, classe e gênero, cuja expressão no dia a dia é a violência nas suas mais diversas formas. Violência. Muita violência.
Para muitos desses brasileiros, tão brasileiros como todos, sobra a submissão, o conformismo. Para outros a pulsão de buscar o lugar que lhes é negado no mundo.
Porém há no país uma progressiva tomada de consciência de que as coisas têm de mudar. E essa mudança se dará com muita luta, resistência, comunhão entre iguais e principalmente ação política.
A emancipação libertária e duradoura dos pobres não ocorrerá pelos partidos políticos, mas por sua organização autônoma, horizontalizada e democrática.
Ande pelas cidades, veja bem os rostos dos brasileiros pobres e neles encontrará as feições de mil Marielles. A maioria ainda anestesiada na luta diária pela sobrevivência e pela cultura do consumo de bens que não pode usufruir plenamente. Talvez migalhas, sobras que a sociedade rejeita.
Saia do seu ambiente urbano e dê uma volta pelos bairros populares, as favelas, os loteamentos irregulares, os subúrbios e verá que ali a conversa é outra, a chapa é quente. Sem saneamento básico, coleta de lixo regular, ruas não pavimentadas, habitações
precárias, guerras armadas entre facções criminosas, polícia e milícias. Violência, muita violência nas favelas e no asfalto.
E nós fomos formados na teoria de que o povo brasileiro é pacífico e cordial. Grande engodo. Por gerações está presente a violência, não somente pela explícita troca de tiros, mas pela permanente, sorrateira e imoral exclusão dos pobres de nossas cidades.
Mais cedo ou mais tarde teremos de enxergar essa realidade cruel da segregação entre brasileiros.
A luta por moradia digna com tudo que a envolve – saúde pública, trabalho, cidadania - é uma boa e justa causa.
Mas a principal luta de todas consiste em construir a plataforma de largada com acesso a todos os brasileiros para garantir-lhes oportunidades iguais.
Essa plataforma baseia-se fundamentalmente em uma política de educação vigorosa e compensatória em que todas as crianças e todos os jovens se sintam seguros não somente das balas perdidas, mas que a escola, sua segunda casa, lhes abra a porta para o futuro. Creches e escolas em tempo integral, com formação humanista e profissional, que possibilitem ao jovem identificar com orgulho o seu papel na sociedade para mudar o seu destino e o da nossa nação. De resto, entre lágrimas e dor, a crença de que um dia o país será para todos. Caminhemos, pois, unidos, relativizando divergências secundárias, em direção à utopia que acreditamos ser possível transformar em uma nova realidade.
*Arquiteto e urbanista