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Em respeito à memória brasileira

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“Orgulho e Paixão”, a nova novela das seis da tarde da “Rede Globo de Televisão”, pretende contar histórias que vão se passar no Vale do Café. Até aí, nada demais. O problema está no tempo histórico, o século 19, e o local, São Paulo. As duas informações não se juntam. 

O verdadeiro Vale do Café, no século 19 e nos dias de hoje, é o Vale do Café  Fluminense. Que fica no Estado do Rio de Janeiro. 

Em qualquer livro do Fundamental I está  a informação, explicada de modo didático.  O áureo Ciclo do Café aconteceu no Rio de Janeiro, na região denominada Vale do Café, que por acaso hoje abriga 13 municípios e conta com dezenas de fazendas, que ainda mantêm  seus casarões palacianos, fruto da relação entre a nobreza portuguesa e os produtores de café. 

E onde a produção da TV  foi achar os cenários para uma novela de época, que fala de glamour e que equivocadamente está ambientada em São Paulo, no auge da produção de café no século 19?  No Vale do Café verdadeiro. O cenário são as espetaculares fazendas Chacrinha, que pertenceu ao Barão de Vista Alegre; e a fazenda Secretário, construção impecável com seus jardins maravilhosos, que pertenceu ao Barão de Campo Belo.

Diz-se que a história, guardadas as devidas ‘colocações’, está baseada na obra da escritora inglesa Jane Austen, “Orgulho e Preconceito”. E guardada também a devida proporção, acredito que faltou “Razão e Sensibilidade” aos autores. Esse  é um erro histórico grave. São Paulo viveu  o apogeu do café no começo do Século 20. Indico o Museu do Café de Santos para entender e esclarecer essa história. 

O Vale do Café, desde o fim dos anos de 1970, tornou-se um polo para o cinema e para a teledramaturgia brasileira, e é exatamente pelo legado do século 19 que as produções encontram locações propícias para ambientar as cenas históricas.  A vocação do lugar são as artes e a cultura, e tirar da região o seu peso histórico me parece um descaso com a memória e a história deste país. 

A própria “Globo” já contou a história do café em São Paulo de  maneira correta. Em 1999, Benedito Ruy Barbosa estreou “Terra Nostra”. A novela mostrava o país entre o final do século 19 e início do século 20, e começava em um navio que vinha da Itália ao Brasil e trazia imigrantes que buscavam uma vida melhor.  Essa é a história verdadeira. 

A economia cafeeira no século 19 se deu no Vale do Café Fluminense, que foi responsável pela riqueza deste país ao produzir 80% do café exportado naquele momento. Ali se deu o apogeu, com o apoio da  mão de obra de negros escravizados. Os imigrantes europeus vão chegar a São Paulo já no declínio da produção fluminense, em fins do século 19, quando o Brasil colocava em prática a sua pretensão de ser um país branco.

* Presidente do Preservale e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro