ASSINE
search button

Por um Rio com olhar regional: autonomia e protagonismo

Compartilhar

Nunca em um período eleitoral foi tão essencial discutir o lugar da negritude como a cara da classe trabalhadora e o que os diversos setores da sociedade entendem por “cativeiro social”. Contudo, a identidade não é prévia e sim formada pela superação da desorganização coletiva para lidar com a racionalização da barbárie como algo socialmente necessário. Questões de gênero, raça, regionalismo etc. são formas de luta contra os laços de barbárie com as necessidades de organização do processo de valorização econômica. Logo, só discutindo as formas de superação dessa necessidade histórica é que se avança de forma organizada. 

Há de se resgatar o Rio como farol do Brasil e tratar a Baixada Fluminense como ainda o grande nó para o desenvolvimento estadual e sua maior interiorização. Nesse sentido, defender um Rio com olhar regional, organizado por complexos logístico-produtivos para garantir bases renovadas de um desenvolvimento nacional independente. Algo prioritário diante da explicitação de sua estrutura produtiva oca e o associado problema estrutural de arrecadação tributária que traz restrições à gestão fiscal. 

Do ponto de vista da agenda nacional, o cerne do problema envolve lutar contra a criminalização das políticas de desenvolvimento por coordenação do estado e repriorizar e aperfeiçoar a política de conteúdo local. Do ponto de vista de uma agenda estadual, o cerne do problema envolve articulação política para tirar o Estado do Rio de Janeiro do isolamento político-estratégico como contraexemplo para o resto do país, bem como fortalecer estruturas públicas de planejamento econômico indutor a fim de orçamento territorializado capaz de ações socioeconômicas substantivas. 

A essência desse projeto de país e estado será medida pelo horizonte de possibilidades que oferece um projeto de poder. O principal desafio de um candidato a governador é ter claro seu projeto de poder. Isso na situação atual do Rio de Janeiro é essencial, porque a principal meta é resgatar o papel da escala de poder estadual cada vez mais enfraquecida. Logo, os pontos centrais são demonstrar capacidade de diferenciar e demonstrar como as políticas estaduais estão presentes na vida do povo e enfatizar a importância desse poder não estar sob tutela. 

Quem assumir próximo governo, a virtude necessária deverá ser de articulador político/negociador ao invés de mero gestor, “catando milho” para fechar as contas.  Não basta continuar a lógica do “um dia de cada vez” e ir tocando como dá, mas sim ter uma visão estratégica organizada. Portanto, não cabe um defensor da austeridade como um valor e um legado, mas, em particular, posicionamento crítico à capitulação atual e seus “tratados de rendição”. Afinal, depois da usurpação financeira com o Regime de Recuperação Fiscal, veio a busca do controle ostensivo do território com a intervenção na segurança pública. Não existe poder político sem finanças e armas, o governo do Estado do Rio de Janeiro cedeu boa parte de ambos. Cedeu com incrível capacidade de passar para população que nada se perdeu e tudo se tem a ganhar sendo um espaço dominado, logo, acrítico. 

O cerne da crítica e do campo de lutas é a retirada de autonomia federativa. Isso só foi possível porque se assimilou dois pressupostos controversos: sensação de “crise terminal” e que estaríamos em “guerra”. Soma-se a crença que o problema é por falta de comando, o que permite namoro com ordem autoritária mais explícita. Atualmente, o projeto dominante tem uma visão disciplinadora, no limite, com expectativa salvacionista, o que autoriza exceções como norma e focar mais na capacidade de exercer poder arbitrário do que na administração de conflitos. O resultado objetivo é o Rio de Janeiro como laboratório de uma reforma federativa, já em curso, com maior perda de papel representativo para a escala de poder estadual (eleita). 

Diante disso, não basta política econômica, é preciso também economia política. É central realinhar retórica e ação para a recuperação da escala estadual de políticas, deixando claro que tudo vai depender de três aspectos decisivos. Primeiro, buscar soluções não apenas dentro da própria gestão. Segundo, focar na política para negociar alternativas e liderar frentes em um debate nacional (exemplo: reforma tributária). Terceiro, superar desorganização de lideranças/bancadas para defender interesses do estado.

* Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj