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Uma sociedade de graves diferenças

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Os números divulgados recentemente pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE revelam que o crescimento econômico dos anos 2000, no Estado do Rio de Janeiro, retrocedeu a partir de 2015, ano em que o trancamento das pautas do governo federal pelo Congresso trouxe a queda dos investimentos públicos e privados no estado, evidenciando tanto o mal planejamento quanto o mal uso dos recursos públicos de sucessivas administrações estaduais. A deterioração da economia fluminense levou à queda do emprego, da renda e da qualidade de vida da população fluminense e atinge a todos, mas aprofunda gravíssimas e históricas distorções da nossa sociedade.

Segundo a pesquisa, nos últimos três anos houve um aumento de pessoas em busca de trabalho no estado: quando os rendimentos familiares caíram, muitos jovens, entre eles aqueles que se dedicavam aos estudos, precisaram tentar complementar esses rendimentos, mas não encontraram trabalho (o mesmo ocorrendo com idosos, em menores proporções). Com a procura por trabalho maior que a oferta, observou-se a elevação da taxa de desocupação ou desemprego aberto dos jovens de 18 a 24 anos, que passou de 16% em 2014 para mais de 33% em 2017. As estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que o desemprego entre jovens no Brasil também vem aumentando desde 2014, chegando a crescer 45% somente no biênio 2016-2017. 

Ainda segundo a Pnad, a proporção de jovens de 15 a 29 anos com rendimentos na faixa até 2 salários mínimos alcançou quase 77% em 2015, indicando o alargamento do subemprego dessa faixa etária. Agravando a situação, há ainda o incremento dos afazeres domésticos, exercido por mais de 30% dos homens e 60% das mulheres de 10 a 29 anos, o que indica jornada dupla para as mulheres jovens e baixo rendimento familiar mensal. 

A desocupação entre negros (pretos e pardos na Pnad) é superior à da população branca, diferença que cresceu de 1,3% em 2013 para 6% em 2017, ano em que a taxa de desocupação dos negros alcançou 17,9%, aumentando a desigualdade entre os grupos e demonstrando o caráter regressivo das políticas econômicas para o estado. Embora relativamente o desemprego tenha sido inferior para os brancos, esses sofreram um achatamento nos rendimentos, com perdas salariais da ordem de 9%, contra 2% para os negros, entre 2015 e 2017.

Mas a evolução da renda, segundo faixas salarias para os dois grupos étnicos, ainda mostra grande desigualdade: a proporção de negros recebendo até dois salários mínimos era de 47% em 2017, enquanto a de brancos era de 20%. À medida que cresce a faixa salarial, cresce a proporção de brancos; na faixa acima de cinco salários, encontram-se 52% dos brancos e apenas 21% dos negros. 

O recorte por gênero é similar àquele por etnia: a desocupação da população feminina é superior à dos homens, e também se vê em desvantagem crescente a partir de 2015. Enquanto a desocupação entre os homens cresceu mais nos anos 2015-16, provavelmente devido ao colapso das principais indústrias do estado, que empregam proporcionalmente mais homens, em 2017 a desocupação cresce mais entre as mulheres, indicando a disseminação do colapso para os setores de comércio e serviços. Mas é nos rendimentos que se revela a maior desigualdade, aquela entre homens brancos e mulheres negras: em 2013, elas recebiam apenas 40,8% dos recebimentos dos homens brancos, alcançando uma pequena melhoria até 2017, quando esta razão se elevou para 44,2%. 

Em suma, os indicadores sociais recentes mostram deterioração e aprofundamento das desigualdades no estado e redução das possibilidades de superação, sobretudo para os mais vulneráveis: jovens, mulheres e negros, e em especial as mulheres negras. Esses grupos encontram-se em desvantagem crescente em relação ao desemprego; mesmo com a relativa perda de rendimentos entre os brancos a partir de 2015, ainda estão em desmedida desigualdade em termos de renda. Assim, não haverá solução consistente sem ousadia, sem o aumento do investimento público, produtivo e social que amplie as possibilidades e ampare os mais vulneráveis, dinamizando o mercado consumidor interno e gerando estímulos para a volta do investimento privado no Estado do Rio. 

*PhD em Planejamento Regional pela Universidade de Illinois e professora da pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF; **Doutor em Economia pela UFRJ