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O Judiciário tem que se dar ao respeito

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Decididamente a semana passada não foi feliz para a imagem do Judiciário. 

Na quinta-feira, juízes resolveram fazer greve em defesa do malfadado “auxílio-moradia”, imoralidade que engorda alguns dos mais altos vencimentos do funcionalismo público. E que, para os magistrados, é concedido até para quem já tem casa própria no local em que trabalha e que não teve que se mudar para exercer a função. Pior: a um casal de juízes pode ser pago de forma dobrada – como se os agraciados morassem em duas casas diferentes. 

Difícil justificar. 

O argumento de que o penduricalho seria um reajuste dos seus subsídios, porque os magistrados teriam direito a um reajuste que não foi dado no tempo devido é frágil. Terão sido os juízes os únicos no funcionalismo que não tiveram salários reajustados? Como ficam os demais prejudicados, que ganham inclusive menos do que os magistrados? E, se funciona como reajuste salarial, por que não incide sobre ele o Imposto de Renda? E por que a soma dos proventos que os magistrados com o “auxílio-moradia” pode ultrapassar o teto do funcionalismo? Ou o teto não vale para os juízes? 

Enfim, seja qual for o ângulo pelo qual se olhe, é difícil justificar esse tal “auxílio-moradia”. 

Ao decidirem fazer a greve, os juízes pioraram a sua imagem. A paralisação chamou a atenção da opinião pública para o disparate. Mas, no dia da greve do Judiciário o país parou devido à execução da vereadora Marielle Franco, que denunciara truculências cometidas pela PM em favelas do Rio. 

O contraste entre as duas manifestações não favoreceu os juízes. De um lado, uma greve ridícula e mesquinha; de outro; 50 mil pessoas, só nas ruas do Rio, protestando contra a execução de alguém que defendia os direitos humanos. 

Imagino que os magistrados de bom senso tenham ficado envergonhados. 

Mas a vergonha alheia deles certamente aumentou quando tomaram conhecimento do que uma desembargadora postou nas redes sociais. Foram sandices inacreditáveissobre Marielle. Entre outras coisas, a meritíssima afirmou que a vereadora foi assassinada por ter rompido um acordo com o Comando Vermelho, responsável por sua eleição(Marielle foi a quinta vereadora mais votada no Rio). 

Uma rápida consulta aos mapas eleitorais, disponíveis no site do TRE na internet, evitaria que sua excelência afirmasse tal disparate. 

Os votos da Marielle foram “votos de opinião”. Ela foi bem votada onde a esquerda e seu partido, o PSOL, foram bem votados. O grosso de sua votação foi em bairros de classe média progressista que, há décadas, dão apoio a candidatos de esquerda e que defendem as bandeiras que Marielle defendia. Dos seus 46 mil votos, menos de dois mil foram em regiões em que traficantes poderiam ter alguma influência. 

A desembargadora poderia, ao menos, ter sido mais responsável e se informado antes de dizer o que disse. Imagino que alguns juízes devem ter ficado constrangidos com suas declarações. E me pergunto: será que em sua atividade profissional a desembargadora age com tal ligeireza? 

Tem razão o PSOL ao processá-la e pedir providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Judiciário é um poder essencial numa sociedade democrática. É importante que seja respeitado, sob pena de os cidadãos se verem estimulados a fazer justiça com as próprias mãos, o que seria o fim do estado de Direito. 

Mas, para os juízes serem respeitados, é preciso que se deem ao respeito. 

Greves para manter privilégios e declarações irresponsáveis não contribuem para isso. 

*Jornalista