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O Boulos vai crescer 

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Virou um mantra nos últimos dias, depois do assassinato de Marielle Franco. Dizem que não é hora de falar de política. Nos editoriais, os jornalões fizeram coro: que nenhum partido de esquerda se atreva a capitalizar a reação popular ao martírio da carismática vereadora do PSOL. Um deles, que sempre se destacou pelo conservadorismo, disse que foi ótimo não serem vistas camisetas e bandeiras vermelhas no mar de gente durante o velório de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes na Câmara dos Vereadores. Ou seja, o andar de cima, como diria Gaspari, quer ditar as regras para o andar de baixo. Acha-se no direito de dizer como os eleitores devem se comportar. E, tremendo de medo diante dos movimentos espontâneos que ameacem o sossego do establishment, manda seu recado. Fiquem onde estão e nada de politizar a emboscada brutal da rua João Paulo I. 

Como disse Maiakovski,  coma ananás, mastigue perdiz, seus dias estão chegando, burguês. Lá na Rússia dos Czares, os dias chegaram em 1917. Em terras brasileiras, cem anos depois, os tempos são outros e as mudanças  virão pelo voto, no figurino da provada e boa democracia. Para quem não se lembra, nunca é demais citar as palavras de Churchill: a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas. Ou seja, há muita insatisfação e desesperança no ar, mas os milhões de brasileiros e brasileiras vão dar as cartas nas urnas no dia 7 de outubro. Vem mudança por aí.

Queira ou não a imprensa que bajula os poderosos, por mais que ainda faltem seis meses, o sacrifício de Marielle vai repercutir nas eleições. Terá impacto político, sim. A vereadora representava o que há de mais novo na política brasileira, mais, precisamente, nas correntes à esquerda. Seus 50 mil votos foram majoritariamente de rapazes e moças da classe média que buscam alternativas que se identifique com seus anseios. Uma juventude que deixou de enxergar no PT e em Lula uma opção. Se bem que não olhem o PT como inimigo a ser combatido, estão apostando em gente que ainda não sofreu o desgaste do exercício do poder. 

Tudo indica que a opção dessa nova geração de eleitores é o PSOL. Assim foi na eleição para o governo do Estado em 2014 quando, de forma surpreendente, despejaram seus votos no então desconhecido professor Tarcísio Motta, do Colégio Pedro II, que chegou em quinto  lugar com mais de 700 mil votos. Na eleição para prefeito do Rio, em 2016, o recado dos jovens se repetiu e por pouco não levou o deputado Marcelo Freixo à vitória contra Marcelo Crivella. Faltaram-lhe, porém, votos além do Túnel Rebouças, onde o PSOL ainda tinha estrutura frágil. Mas Tarcísio foi eleito vereador com 90 mil votos. E deve ser o candidato do PSOL ao governo do Rio, caso Freixo decida ficar de fora e tentar a Câmara Federal.

Por mais que política seja como nuvem e o cenário mude da noite para o dia, alguém tem dúvida que Tarcísio Motta será o candidato preferido pela garotada da Zona Sul e da Zona Norte? Os jovens que estão revoltados e tristes com a morte de Marielle sabem em quem vão votar, não importa o que digam os editoriais dos jornalões. Em 2018, o novo na política é o PSOL, que teve em sua fundação o apoio de Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Milton Temer, velhos eurocomunistas e seguidores da obra do italiano Antonio Gramsci. Konder e Coutinho já não estão por aqui, mas ficariam felizes em saber que chegou a hora de seu partido. 

Marielle está presente e o PSOL ganhará destaque nas próximas eleições.  Não só com o professor Tarcísio. Seu candidato à Presidência da República, o filósofo Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, também caiu nas graças de quem busca alternativas à esquerda. Filho de Marcos Boulos, um dos mais conceituados infectologistas do país, Guilherme atua em São Paulo, mas seu nome começa a ser citado por muitos eleitores cariocas. Para minha surpresa, já ouvi muita gente experiente dizendo que vai votar em Boulos. 

Quem não está nada feliz com a novidade é o PT (por sinal, o senador Lindbergh Farias foi vaiado no velório de quinta-feira).  Nos bastidores do PT, há nomes graúdos afirmando que o PSOL, com a candidatura de Boulos, está dividindo a esquerda. O PT, pelo visto, tem a memória curta. Nos tempos românticos e ainda sem pecados, o partido de Lula lançou Fernando Gabeira contra o professor Darcy Ribeiro no Rio de Janeiro, em 1986. Diante das críticas brizolistas, explicavam que era preciso demarcar seu espaço no espectro da política. Em 1989, romperam com o PDT de vez e lançaram Lula contra Brizola, que, segundo eles, tinha uma visão ultrapassada do socialismo. Pau que dá em Chico dá em Francisco. Não adianta o PT reclamar de Boulos. A candidatura do PSOL é uma realidade e conta com a simpatia da juventude de esquerda.

A missa de sétimo dia de Marielle está marcada para terça-feira na Candelária. Haverá muita tristeza e emoção no ato ecumênico. Enquanto as investigações prosseguem, a política também segue o seu caminho. Os jovens, pelo menos no Rio, aderiram ao discurso do PSOL. Ainda faltam seis meses para a eleição. Mas Guilherme Boulos vai crescer.