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Explode coração!

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Confesso que nos meus tempos de garota não prestei a menor atenção a Luiz Gonzaga e sua sanfona. Meu som era outro. Americano quase sempre. Muito Ray Conniff, muito Elvis, muito Chubby Checker, muito Trini Lopez. Quando a música brasileira entrou na minha vida foi através de João Gilberto e seu violão, o mágico que mudou para sempre o timbre e o tom da MPB. Atrás dele, com o correr do tempo, vieram meus outros ídolos, entre eles, em lugar muito especial, o Gonzaguinha. Dito isso, quero dizer que é absolutamente imperdível o filme “Gonzaga – de pai pra filho”, dirigido com a maior competência por Breno Silveira. Fui ao cinema com a Bel, mana querida, a única companhia possível para este programa.

Explico por quê: naquela inesquecível época dos festivais de MPB, chegou aos nossos ouvidos que havia uma reunião semanal dos meninos do MAU ( Movimento Artístico Universitário) numa casa da rua Jaceguai, Tijuca, zona norte do Rio. A casa pertencia ao então futuro sogro de Gonzaguinha, o médico psiquiatra Aloísio Porto Carreiro, pai da doce e saudosa Ângela, que casou mais ou menos nessa época com o compositor. Anos depois, ela já separada dele, estreitamos nossos laços, se não me falha a memória, via Lea Penteado. Do MAU, que fez sucesso a ponto de ter programa especial na Globo, faziam parte, além de Gonzaguinha, Ivan Lins, Aldir Blanc, César Costa Filho, entre outros. As reuniões eram sempre às sextas-feiras e na simpática casa as portas ficavam abertas, num vaivém impressionante, de pessoas absolutamente desconhecidas como eu e minha turminha ( além da Bel, lembro de Heloisa Marcondes e Rosa Freire d’Aguiar ) e artistas de peso, como Ney Matogrosso e Milton Nascimento.

Depois, à medida que fui aprimorando meus conhecimentos de MPB, cheguei a Luiz Gonzaga. E amei. Sou fã. Ele era a encarnação da alegria, enquanto seu filho, o Gonzaguinha, foi a encarnação da dor, da fossa. Uma verdadeira alma torturada. Seu sofrimento interior era patente, estava ali exposto, escancarado, e sempre me inspirou uma profunda pena. Vendo o filme ( e lendo também ótimo livro de Regina Echeverría), a gente entende por que. Uma vida triste marcada pelos desencontros entre os dois gênios da nossa música, que só foram se juntar para  uma memorável temporada de shows quando o fim de ambos já estava próximo. Muito triste.

Mas as músicas de ambos ficaram, o que faz com que eles estejam sempre vivos entre nós. Antes assim.

                                                         ***

A maior intérprete de Gonzaguinha é Maria Bethânia. E lá está ele, vivo e emocionante como nunca, no memorável e deslumbrante show que a cantora estreou , fim de semana passado, num Vivo Rio lotado. Quando ela canta “Sangrando”, principalmente: “Quando eu soltar a minha voz/ por favor entenda/ que palavra por palavra/eis aqui uma pessoa se entregando...”. A casa veio abaixo. Ninguém canta “Sangrando” como ela. Aliás, tiete convicta que sou, acho que ninguém canta nada como ela.

De todos os shows que assisti de Abelha Rainha ao longo da vida, e foram praticamente todos, acho que este, “Carta de Amor”, é disparado o melhor. Com aquela competência emocionante, ela vai de Chiquinha Gonzaga a Arnaldo Antunes, passando pelo mano Caetano, por Chico, por Ângela Ro Ro, de quem ressuscita a lindíssima “Fogueira”, por Roberto e Erasmo e sua “Fera ferida”, Chico César, Dorival Caymmi – enfim, a fina flor do cancioneiro popular.

Ela deu o kick-off aqui e, agora, parte em turnê pelo Brasil. Volta em abril para o mesmo Vivo Rio.

Neste show ainda tive um presente a mais: assisti ombro a ombro com outro dos meus ídolos, o dito mano Caetano Veloso, chiquérrimo e simpaticíssimo com seu imenso fã clube – todo  mundo querendo a bendita foto com o celular. Ele atendeu a todos. E, com aquela elegância discreta, mas coruja, aplaudiu o arrebatador desempenho da mana.

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No nosso cantinho musical, Gonzaguinha canta ‘Sangrando’. Muito lindo.