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A ditadura do pluripartidarismo

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Não tem faltado a voz de candidatos à sucessão do presidente Temer insinuando, quando mesmo não declaram claramente, que o modelo do pluri ou multipartidarismo esgotou-se no tempo; e que se tornou a evidência de que o Brasil precisa encorajar-se para aperfeiçoá-lo. Ao elaborarem tal afirmação, num momento em que a preocupação geral é levar agrados aos ouvidos do eleitor, eles devem saber, no íntimo, que a empresa reformista que estão recomendando certamente haverá de conflitar com os próprios interesses do governo que gostariam de chefiar. Portanto, quem ganhar a corrida seria forçado a deixar as coisas como estão. A razão é simples, fartamente demonstrada: o presidente da República enfraquece-se no Congresso, quando são poucos os partidos, e deles torna-se permanente refém; em contrapartida, tem poderes para a coabitação com as bancadas, quando as legendas são numerosas. Se em grande número, elas são fracas e acessíveis aos acenos do palácio. Passa a reinar, então, uma congruência de interesses.

As bancadas, quando se fragmentam no Congresso, podem prestar serviço ao governante, desafogando-o de situações complicadas, ao peso das reciprocidades. É um dado mais que suficiente para pôr em dúvida o propósito, em época eleitoral, de enxugar a estrutura partidária vigente. Teme-se, portanto, que a redução do número dessas legendas, que hoje sobem a 35, continue dependendo de qualquer segmento, menos do Executivo, que tem tirado bons proveitos dessa fragmentação, poderosa, no seu conjunto, exatamente por reunir os fracos. Tudo concorrendo para consolidar relações muitas vezes promíscuas entre os poderes. Valeria lembrar o antecedente: casos houve, recentemente, em que as composições que levaram à formação das chapas de candidatos à Presidência foram uma espécie de avant-première dos acertos duradouros que viriam depois, no amontoado de siglas.

São, portanto, os estudiosos dessa matéria, os pensadores políticos, as representações sociais que já perceberam deformações do pluripartidarismo, que podem patrocinar a nova leitura de um sistema que caducou, e vem arrastando consigo defeitos que comprometem a legitimidade da representação parlamentar. Renova-se a suspeita: não se pode esperar uma evolução de tal vulto do presidente da República, mesmo que ele condene, sincera intimamente, esse pluripartidarismo vicioso, pois fatalmente será cliente da deformação que lhe pode ser útil.

Filosoficamente, considera-se que a democracia pode se dar bem com organização política marcada pela existência de numerosos partidos, numa pluralidade que, em tese, permite expressão e espaço para as mais diversas correntes do pensamento político. Mas parece prevalecer aquilo que ensina o professo Alaor Barbosa, antigo assessor legislativo do Senado: “Um dos inconvenientes é a necessidade que exsurge desse sistema, de coligações entre partidos, a fim de que o governo se constitua forte e eficiente; coligação difícil, dada a heterogeneidade dos partidos”. Há outra razão, ele vai buscar em Max Weber, para citar um problema encontradiço no Brasil. Chama de patronagem o que, há mais de duas décadas, se habituou aqui, o fisiologismo. Sem meias palavras em relação ao que o pluripartidarismo oferece, na linha das inconveniências: os partidos vendem seu apoio ao governo, e o governo compra esse apoio.

Se o processo eleitoral em curso oferece dúvidas sobre a proposta de enxugamento da organização partidária, nem por isso o tema mereça cair no ostracismo. Depois de fechadas as urnas, ele deve ser retomado, a começar pela cobrança ao novo presidente, se ele andou prometendo disposição para enfrentar o problema.

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